quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O Avanço da Extrema-direita: Impactos na Educação Pública, Direitos Trabalhistas e Estratégias de Resistência da Esquerda.

Introdução.
    A ascensão da extrema-direita no cenário global representa um dos fenômenos políticos mais significativos e preocupantes do século XXI. Em diferentes regiões do mundo, líderes e movimentos ultraconservadores têm utilizado crises econômicas, sociais e políticas como catalisadores para promover agendas que, sob a retórica de contestação ao "sistema", acabam por aprofundar desigualdades e fragilizar instituições democráticas. 
      Este artigo busca analisar o contexto internacional dessa ascensão, destacando suas implicações na educação pública, nos direitos trabalhistas e nas liberdades democráticas, além de discutir as estratégias necessárias para resistir ao avanço dessas forças reacionárias. O objetivo é compreender como a extrema-direita molda e explora o descontentamento popular para consolidar um projeto político que reforça as estruturas do neoliberalismo e do autoritarismo, enquanto marginaliza as alternativas progressistas e a luta por justiça social.

O Contexto Global da Ascensão da Extrema-direita
    A extrema-direita se consolidou como uma força política global, explorando crises econômicas e sociais para promover agendas ultraconservadoras a partir de uma narrativa antissistema. Nos Estados Unidos, líderes como Donald Trump utilizam retóricas nacionalistas e anti-imigração para polarizar a sociedade. Na Europa, partidos como a AfD na Alemanha, o Vox na Espanha e a “Lega Nord” na Itália se destacam ao “surfarem” no descontentamento popular com discursos xenófobos e ultraconservadores. Na América Latina, figuras como Jair Bolsonaro no Brasil, Javier Milei na Argentina e Nayib Bukele em El Salvador aliam discursos populistas a políticas neoliberais que aprofundam desigualdades. 
Arte: Fernando Saraiva
Arte: Fernando Saraiva 
Link da imagem: https://encurtador.com.br/Nkkzh
    Em outros contextos, como na Hungria de Viktor Orbán e na Turquia de Recep Tayyip Erdoğan, regimes autoritários têm reforçado pautas nacionalistas, restringindo liberdades democráticas e centralizado o poder, e no exato momento em que os autores finalizam este texto, uma tentativa de “auto-golpe” está em curso na Coreia do Sul que, atualmente, é governada pelo Partido do Poder Popular (PPP) pertencente ao espectro conservador/ultra-conservador. A expansão global da extrema-direita é sustentada por estratégias como a manipulação de crises econômicas, a disseminação de desinformação e o uso de retóricas emocionalmente carregadas que buscam aprofundar a polarização na sociedade ao mesmo tempo em que canalizam a indignação popular para a construção de inimigos imaginários, protegendo, dessa forma, a política neoliberal dos possíveis desgastes causados pelas crises que ela mesma fomenta e estimula. 
    Esses movimentos apresentam-se como alternativas ao "sistema", mas na verdade buscam desviar o foco das causas estruturais dos problemas econômicos e sociais, servindo como uma espécie de escudo para o próprio sistema ao qual afirmam, na retórica, questionar. Podemos citar, como exemplo disso a resistência da Bancada Ruralista, de parte da Bancada Evangélica¹ e outros parlamentares de direita a apoiarem temas como a extinção da jornada de trabalho 6X1.
    Vemos uma retórica antissistema enquanto, na prática, atuam na manutenção das políticas, e na imposição do projeto, deste mesmo sistema que afirmam combater.

Impactos na Educação Pública
    A educação pública tem sido alvo prioritário da extrema-direita, políticas de austeridade e privatização ameaçam a qualidade e o acesso à educação em várias regiões. Nos Estados Unidos, o uso de “vouchers” e a proliferação de escolas “charter”² têm acentuado desigualdades, enquanto cortes orçamentários no Brasil, sob o governo Bolsonaro, comprometeram o funcionamento de escolas, universidades e centros de pesquisa. 
    Soma-se a isso o fato de que no Brasil a instrumentalização de segmentos religiosos como o neopentecostalismo tem sido uma prática muito recorrente entre grupos políticos de extrema direita. Por meio de um discurso de conservadorismo moral, os mesmos vem buscando limitar direitos sexuais e reprodutivos, assim como o direito das mulheres. Essa atuação alcança a educação pública por meio da militarização da educação, do desmonte da democracia escolar, da intolerância religiosa no ambiente escolar e pela perseguição de educadores que trabalham a docência com fundamentação científica e crítica. 
        Nesse sentido, a extrema-direita busca moldar currículos escolares para refletir valores retrógrados e ultraconservadores. Temas como diversidade, direitos humanos e mudanças climáticas são frequentemente censurados ou distorcidos, enfraquecendo o pensamento crítico, a liberdade acadêmica e a laicidade da educação. Tal estratégia não apenas limita o desenvolvimento de uma geração consciente e plural, mas também consolida junto com modelos escolares autoritários, como o modelo cívico-militar, uma visão autoritária e alienada do mundo. 

Impactos nos Direitos dos Trabalhadores
Fonte da imagem: 
https://encurtador.com.br/m5oZ9
    Os direitos trabalhistas também têm sido sistematicamente atacados. Governos de extrema-direita promovem a fragilização das leis trabalhistas e a desregulamentação do mercado de trabalho, resultando na precarização das condições de emprego, na redução da média salarial e, consequentemente, na piora da qualidade de vida da Classe Trabalhadora, seja no campo ou na cidade. No Brasil, a Reforma Trabalhista de 2017 e a ampliação da terceirização aumentaram a informalidade e reduziram a proteção social. 
    Tendências semelhantes são observadas em países como a Itália e os Estados Unidos. A agenda ultraliberal da extrema-direita favorece elites econômicas enquanto desampara os trabalhadores mais vulneráveis, incluindo migrantes e informais. Esse processo aprofunda desigualdades sociais e fragiliza os sindicatos, que historicamente desempenharam um papel crucial na defesa dos direitos trabalhistas.

A Erosão das Liberdades Democráticas
    Outro aspecto alarmante do avanço da extrema-direita é a erosão das instituições democráticas. Governos autoritários restringem a liberdade de imprensa, controlam o judiciário e reprimem opositores políticos. Em países como a Hungria e a Turquia, as liberdades civis estão sob ataque constante, enquanto movimentos sociais e organizações de direitos humanos enfrentam repressão. 
    Já o Brasil, de acordo com o relatório da Anistia Internacional, ficou em 4º lugar no número de assassinato de ativistas de Direitos Humanos no ano de 2023³ , ou seja, apesar de, formalmente, o país não se apresentar como um Estado onde a política de perseguição e repressão é legalizada, ela é executada de forma informal ao longo do tecido social. 
     Essa concentração de poder (formal e informal) não apenas enfraquece a democracia, mas também cria um ambiente hostil para a diversidade de pensamento e a participação política. As liberdades de expressão e de organização são reduzidas, dificultando a resistência popular e o fortalecimento de alternativas progressistas.

Estratégias de Resistência da Esquerda
    Para enfrentar o avanço da extrema-direita, a esquerda precisa adotar estratégias abrangentes e coordenadas. A formação de alianças amplas entre partidos progressistas, sindicatos, movimentos sociais e organizações de direitos humanos é fundamental para construir uma frente unificada contra o autoritarismo. Além disso, é essencial reafirmar os valores progressistas, promovendo políticas inclusivas que priorizem a justiça social, a educação pública de qualidade, democrática e laica, e a defesa dos direitos trabalhistas. A mobilização popular, aliada a um uso estratégico das redes sociais para combater a desinformação, pode fortalecer o engajamento cívico e ampliar a conscientização pública. 
      Também é crucial que a esquerda ofereça alternativas concretas ao neoliberalismo, evitando práticas econômicas que prejudicam a classe trabalhadora e alimentam a retórica de extrema-direita. Políticas voltadas para a geração de empregos de qualidade, redução das desigualdades, a reforma agrária, o combate ao latifúndio, a proteção ambiental e o fortalecimento do estado de bem-estar social são indispensáveis para reconquistar a confiança popular e enfrentar o descontentamento que dá força à extrema-direita. 
© LETYCIA BOND/AGÊNCIA BRASIL
Link da imagem: https://encurtador.com.br/7UWwX

    No entanto, desde a construção da Frente Ampla nas eleições de 2022, o governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores tem priorizado, na área econômica, políticas que atendem os interesses do rentismo, do sistema financeiro e do agronegócio exportador. Ao evitar a auditoria da dívida pública e focar exclusivamente na produção primária, essas políticas têm contribuído para a desindustrialização do país, enquanto destinam recursos públicos — que poderiam ser investidos em políticas sociais — para especuladores da dívida. 
    Portanto, é urgente uma mudança completa de foco. É necessário implementar uma política robusta de desenvolvimento nacional, sustentada por um projeto de nação que promova a industrialização, a valorização do trabalho e a justiça social. Apenas assim será possível reverter os impactos negativos das escolhas econômicas atuais e construir um futuro mais equitativo, inclusivo e que não permita o avanço da extrema-direita no seio da Classe Trabalhadora. 

Conclusão
    O avanço global da extrema-direita reflete um fenômeno complexo, impulsionado pela exploração de crises econômicas e sociais, pela manipulação de desinformação e pela retórica antissistema que mascara um compromisso velado com o neoliberalismo. Como analisado, esse movimento utiliza narrativas emocionalmente carregadas para polarizar a sociedade, direcionando o descontentamento popular contra inimigos imaginários enquanto protege as elites econômicas e aprofunda desigualdades. Os impactos dessa ascensão são amplos e preocupantes.
    Na educação pública, políticas de austeridade, privatizações e militarização comprometem o pensamento crítico, a liberdade acadêmica e a formação de cidadãos conscientes. No campo trabalhista, a precarização das condições de trabalho e a desregulamentação favorecem elites econômicas enquanto fragilizam a classe trabalhadora e os sindicatos. Além disso, a erosão das liberdades democráticas, exemplificada pela centralização do poder, perseguição a opositores e repressão de movimentos sociais, ameaça a diversidade de pensamento e a participação política em várias nações. 
    A resistência a essa agenda autoritária e ultraliberal exige uma resposta coordenada da esquerda. É crucial a construção de alianças amplas entre partidos progressistas, movimentos sociais e organizações de direitos humanos, assim como a formulação de políticas inclusivas que promovam a justiça social, a valorização do trabalho e o fortalecimento do estado de bem-estar social. Apesar das limitações do atual governo brasileiro em reverter as dinâmicas neoliberais, uma mudança de foco para políticas de desenvolvimento nacional, industrialização e fortalecimento dos direitos sociais é indispensável e urgente. Somente com um projeto político transformador, que vá além da resistência pontual e enfrente as raízes estruturais das crises sociais e econômicas, será possível conter o avanço da extrema-direita e construir uma sociedade plural, democrática e inclusiva que caminhe em direção ao Socialismo.

¹ Líderes evangélicos se dividem sobre 6×1, entre mais tempo para igreja e temor de ruína econômica – acessado em 04/12/2024 às 10h42min.  Link de acesso: https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/politica-e-poder/lideres-evangelicos-se-dividem-sobre-6x1-entre-mais-tempo-para-igreja-e-temor-de-ruina-economica/
² Escolas públicas que funcionam a partir de financiamento público e gestão privada, em um modelo muito parecido com o que o atual governador do estado do Paraná (Ratinho Júnior) busca implementar na Educação Pública Paranaense. A primeira escola neste modelo foi criada no Estado de Minnesota (EUA) em 1992, pelo governo do Partido Republicano.

³ AGENCIA BRASIL: Brasil é o 4º país que mais mata ativistas de direitos humanos - acessado em 04/12/2024 às 08h57min: Link de acesso: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2023-03/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-mata-ativistas-de-direitos-humanos 
⭑Texto publicado originalmente no Jornal do NESEF (O Sísifo) Edição de Dezembro - 2024 No 49 - ISSN 2675-4347 Link para acesso à edição completa: https://nesef.com.br/wp-content/uploads/2024/12/Jornal-do-NESEF-dezembro-2024.pdf

Autores:
Luciano Egidio Palagano - Historiador, Agente Educacional II na rede estadual de ensino do Paraná, Conselheiro Nacional no Conselho Nacional de Entidades da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNE/CNTE) e integrante da Vanguarda Popular (VP/PSOL).

Esion Fernando de Freitas - Professor de Geografia da rede Estadual do Paraná a 15 anos, ex-presidente da APP-SINDICATO/NS de Toledo e integrante da Vanguarda Popular (VP/PSOL).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário será moderado afim de verificar se não há ofensas de cunho pessoal, palavras de baixo calão, enfim qualquer comentário que possa servir de motivo para que este blog seja acionado judicialmente.
Apenas neste intuito! Críticas consistentes, e oríundas de diversidades de ideias, que possam dar possibilidade ao debate serão sempre bem vindas, e não serão moderadas. Mesmo que as críticas sejam ao autor! Apenas pedimos que para que os comentários não sejam retidos na moderação, eles não sejam feitos de maneira anônima!
Atenciosamente:
Luciano Egidio Palagano