quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

DEZ ANOS FATÍDICOS

Segue, para vocês, o segundo texto compilado do livro Alber Einstein, Meus Últimos Anos. O presente texto foi escrito em 1939 às portas da Segunda Guerra Mundial:


Ao ler de novo as linhas que escrevi quase dez anos atrás, sou tomado por duas impressões estranhamente contrastantes. O que escrevi então ainda parece tão essencialmente verdadeiro como sempre; no entanto, tudo aquilo soa curiosamente remoto e estranho. Como é possível? Terá o mundo mudado tão profundamente nestes dez anos, ou será que simplesmente envelheci dez anos e meus olhos veem tudo sob uma luz diferente, mais pálida? Que são dez anos na história da humanidade? Não deveriam todas as forças que determinam a vida do homem ser consideradas constantes, se comparadas a um intervalo tão insignificante? Porventura minha razão crítica é tão suscetível que uma mudança fisiológica ocorrida em meu corpo nesses dez anos pode influenciar tão profundamente minha concepção de vida? Parece-me claro que considerações desse gênero não podem explicar uma mudança na abordagem emocional dos problemas gerais da vida. As razões dessa curiosa mudança tampouco podem ser buscadas em minhas próprias circunstâncias externas; pois sei que estas sempre desempenharam um papel secundário em meus pensamentos e emoções.

Hitler presente uma reunião de uma das células da Juventude Hitlerista

Não, algo muito diferente está envolvido. Nestes dez anos, a confiança na estabilidade da sociedade humana, sim, até na própria base da existência, desapareceu em grande parte. Sentimos não só uma ameaça à herança cultural humana, mas também que se está conferindo um valor mais baixo a tudo aquilo que gostaríamos de ver defendido a todo custo.
Não há dúvida de que em todos os tempos, o homem consciente teve aguda consciência de que a vida é uma aventura, de que a vida deve, permanentemente, ser arrancada da morte. Os perigos eram em parte externos: podíamos cair escada abaixo e quebrar o pescoço, perder nosso meio de subsistência sem nenhuma culpa, ser condenados embora inocentes, ou arruinados por calúnia. A vida na sociedade humana significava perigos de toda sorte; mas esses perigos eram de natureza caótica, sujeitos ao acaso. A sociedade humana como um todo parecia estável. Avaliada pelos ideais do gosto e da moralidade, era claramente imperfeita. Mas, no geral, sentíamo-nos em casa nela e, salvo pelos muitos acidentes possíveis, relativamente seguros. Aceitávamos suas qualidades intrínsecas como naturais, como o ar que respirávamos. Até os padrões de virtude, aspiração e verdade prática eram considerados uma herança inviolável, comum a toda humanidade civilizada.
É certo que a Primeira Guerra Mundial já havia abalado esse sentimento de segurança. A inviolabilidade da vida desaparecera e o indivíduo já não podia agir como convinha e ir aonde queria. A mentira fora alçada à dignidade de um instrumento político. A guerra, no entanto, era vista em grande parte como um evento externo, e pouco ou nada como o resultado de uma ação consciente e planejada do homem. Pensava-se nela como uma interrupção da vida normal do homem, vinda de fora, universalmente considerada lamentável e má. O sentimento de segurança em relação aos objetivos e valores humanos permanecia essencialmente inabalado.
O desdobramento posterior foi acentuadamente marcado por eventos políticos que, em si mesmos, não tem alcance tão amplo quanto seu pano de fundo sociopsicológico, mais difícil de apreender. Primeiro, um rápido e promissor passo à frente, caracterizado pela criação da Liga das Nações através da grandiosa iniciativa de Wilson, e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva entre as nações.
Padres Católicos fazendo a saudação Nazista
Depois, a formação dos Estados fascistas, acompanhada por uma série de pactos violados e atos patentes de violência contra a humanidade e contra nações mais fracas. O sistema de segurança coletiva desabou como um castelo de cartas, com consequências até hoje incalculáveis. Foi uma manifestação de fraqueza de caráter e falta de responsabilidade por parte dos líderes dos países atingidos, e de um míope egoísmo, nas democracias – as que ainda continuam aparentemente intactas – que impediu qualquer contra-ataque vigoroso.
Benito Mussolini e Adolf Hitler
As coisas pioraram ainda mais do que o teria ousado prever o pior dos pessimistas. Na Europa, a leste do Reno, o livre exercício do intelecto não existe mais, a população vive aterrorizada por bandidos que se apossaram do poder e a juventude é envenenada por mentiras sistemáticas. Os pseudossucessos de aventureiros políticos deslumbraram o resto do mundo, torna-se evidente em toda parte que esta geração carece da firmeza e da força que permitiram a gerações anteriores conquistar, mediante penosa luta e grande sacrifício, a liberdade política e intelectual do homem.
A consciência deste estado de coisas ensombrece a cada hora de minha existência atual, ao passo que, dez anos atrás, ainda não ocupava meus pensamentos. É isto que sinto com tanta intensidade ao reler as palavras escritas no passado.
Sei contudo que, no fim das contas, o homem muda muito pouco, ainda que as noções dominantes o façam aparecer sob uma luz muito diversa em diferentes momentos, e ainda que tendências como as que estão hoje em curso lhe tragam um sofrimento inimaginável. De tudo isso, não restará nada além de umas poucas páginas deploráveis nos livros de história, que retratarão sucintamente para a juventude de gerações futuras os desatinos de seus ancestrais.
(Albert Einstein – 1939)

domingo, 18 de fevereiro de 2018

O PACTO

Olá! O texto de hoje não é de minha autoria. É um conto, ao estilo dos Contos de Terror e Morte de Edgar Allan Poe. Este conto foi escrito pelo meu amigo Edson Petry, que me autorizou a publicar o mesmo, em primeira mão, aqui no Razão. Advirto: não é um conto para espíritos impressionáveis.

O PACTO

Peguei o corredor e fui ao fundo. Desci a escada e dei com os alicerces em ruínas. Lugar escuro, amplo, complexo, mofado, irregular e uma sufocante sensação de estar sendo observado. Assustado, resolvi recuar. Voltei ao quarto, deitei na cama e dormi outra vez. E mais uma vez fui acordado com batidas na porta.

Abri e entrou um casal. Ele alto, bem vestido, grotesco, terno preto, garrafa de Whisky na mão. Ela pequena, bonita, cabelos negros longos, seios quase à mostra, mini saia longa, imensas botas negras. Pararam diante da janela e se puseram a beber. Entraram correndo dois meninos, arrancaram suas roupas, jogaram-se no chão e começaram a se chupar. Resolvi sair.

Peguei o corredor em direção ao hall e dei de cara com uma grande festa. Muita bebida, homens mulheres e crianças, luzes coloridas, som alto, noite, danças, drogas, sexo e risadas, gritos e tapas. Me encantei com uma das meninas que dançava ali perto mas logo veio um sujeito que me tocou no ombro e disse: --- Tá vendo aquele cara gigante e musculoso ali, que está vindo para cá? Então. É o dono dela. Fiz meia volta e me afastei.

Alguns jovens se aproximaram. Duas moças me abraçaram e começaram a me acariciar. Estava em êxtase quando chegou um rapaz e com muita seriedade e segurança na voz disse que eu estava preparado, que se eu quisesse, eu estava pronto e que seria uma honra tanto para mim quanto para eles.

Levaram-me para um canto e me apresentaram a três velhas senhoras de cabelos grisalhos. Estavam sentadas uma ao lado da outra em carteiras escolares. Sobre a mesinha cada uma delas velava um livro e sustentavam na mão uma caneta pesada. Disseram que bastava que eu assinasse. Hesitei por um instante mas, apesar da tentação, me neguei e nunca me arrependi da decisão.


Meio tonto e sem saber o que estava acontecendo, lutei comigo e me desvencilhando daquelas mãos, corri em direção ao quarto. No corredor me deparei com várias portas entreabertas. Hipnotizado, espiei por uma delas e paralisado, percebi que muitas pessoas esquartejadas estavam ali dependuradas em ganchos e, ainda vivas, agonizavam, gemiam e urravam. Algumas, dependuradas de cabeça para baixo, engasgavam no próprio sangue. Horrorizado, por outras frestas, vi pessoas concentradas num sexo brutal se deliciando na mais pervertida das orgias. Algumas espumavam pela boca enquanto enfiavam grandes objetos em seus buracos, bebiam e se lambuzavam. Muitos gemiam alto, de dor ou de prazer.

Apavorado, passei batido pelo 415, meu quarto, e corri até o fim o grande corredor. Desci as escadas e desapareci na penumbra dos alicerces. Os gritos de horror ali eram ainda mais intensos. Simplesmente fechei os olhos e corri o quanto pude. Como se assim pudesse enxergar melhor.

Desesperado, corri por um espaço que parecia não ter fim e de um cem número de mãos me desvencilhei. Quando parei, encontrava-me no salão de entrada do prédio, um mundo elegantemente decorado em preto e pérola se descortinava diante de meus olhos incrédulos. Caixões ritualmente alinhados compunham um cenário arrebatador. Castiçais e velas enormes dançavam um jogo de luz fantasmagórico.

Imediatamente um sacerdote se aproximou e como se estivesse me esperando, me chamou pelo nome e gentilmente pediu que eu me deitasse dentro de um deles. Explicou-me com bastante calma e doçura que estavam me dando mais uma chance. Bastava que eu me deitasse ali e fingisse minha própria morte.


Pulei por cima de uma corrente, subi numa pilha de caixões encostados na parede e me alcei para o galho da árvore que entrava pela janela alta. Uma dúzia de sacerdotes me perseguiu tentando me segurar mas, pararam à porta assim que deixei o prédio.

A rua não era mais a Avenida João Pessoa, e nem tampouco existia o prédio da Faculdade de Economia. O asfalto, todo arrebentado, encolhia-se para os lados. Ruínas e nada mais e não havia outros prédios a não ser a Casa do Estudante. Será que o mundo havia acabado enquanto eu me escondia no 415?

Corri sem olhar para trás e vi coisas que nunca mais quero ver. Alguns seres se debatiam como cães famintos por um pedaço de carne humana. Volta e meia passava algum carro em alta velocidade tentando atropelar tudo o que estivesse pela frente e grandes nuvens de poeira entravam pelos meus olhos.

Dobrei ali onde era a Azenha e dei de frente com uma velha casinha de madeira que mal se sustentava em pé, mas soltava fumaça pela chaminé. Não parecia que ainda houvesse madeira para ser queimada. Na varanda, uma típica família fazia sua refeição e lançava os ossos a um cãozinho sem patas. O pai não tinha um braço e faltava-lhe um olho. Falava pelo nariz enquanto cuspia comida pelo lábio leporino. Mamãe andava mancando de pernas abertas. Tinha a cabeça caída sobre o ombro como se estivesse quebrada e um braço voltado para trás. Sustentava duas mãos esquerdas! A menina menor enxergava pela testa e seus cabelos desgrenhados eram maiores que o corpo sem tórax. A irmã mais velha não tinha cabeça. Pelo menos eu não vi.

Dei meia volta e saí a toda em direção à Casa do Estudante. Alguns carros tentavam a qualquer custo me atropelar. Lagartas, minhocas e lagostas coloridas gigantescas, vinham em minha direção pelo lado oposto. Eu podia vê-las no horizonte por sobre o prédio. Aos pedaços alcancei a grande árvore na frente da casa onde morei por tantos anos. Subi nela, entrei pela janela e me deitei num caixão de pérolas.



Eluiz Sevast Petry
dezembro de 2017

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Retomada!

Este é o primeiro texto de uma série de artigos que pretendo reproduzir no Blog de forma a disponibilizá-los para tod@s. Estes textos, que marcam o retorno do Blog Razão à Conta-Gotas à ativa compõem o livro "ALBERT EINSTEIN, meus últimos anos", publicado pela Editora Nova Fronteira. Os textos presentes na obra, compreendem um período de tempo que vai de 1934 a 1950, ou seja: inicio da ascensão do Nazismo (Alemanha) e Fascismo (Itália) passando pela Segunda Guerra Mundial até o início da Guerra Fria. Para quem quiser todos os textos juntos, recomendo a obtenção do livro.
A ideia desta série de publicações é que ela seja semanal, irei tentar manter uma periodicidade de publicar um texto diferente do livro a cada Segunda-Feira, o que não significa que no intervalo de tempo não possam haver textos novos com temáticas diferentes, pois a ideia é retomar o blog aos poucos, reconstruindo a sua proposta original: regar com um pouco de Razão estes tempos insanos, mesmo que à Conta-Gotas. Ainda sobre os textos da obra, aviso aqui que não serão tecidos comentários sobre os mesmos, apenas os irei disponibilizar. Evitarei tecer comentários para permitir que cada leitor absorva e analise os textos à sua própria maneira. Bom, já me delonguei demais, vamos ao texto de abertura:



AUTORRETRATO



Dificilmente temos consciência do que é significativo em nossa própria existência, e isso certamente não deve preocupar nosso vizinho. Que sabe um peixe sobre a água em que nada a vida inteira?
Albert Einstein fotografado por Philippe Halsman em 1947

O amargo e o doce vêm de fora, o penoso vêm de dentro, de nossos próprios esforços. Na maioria das vezes, faço aquilo a que minha própria natureza me impele. É embaraçoso ganhar tanto respeito e amor por causa disso. Setas de ódio também foram disparadas contra mim; mas nunca me atingiram, porque de algum modo pertenciam a um outro mundo, com o qual não tenho nenhuma ligação.
Vivo naquela solidão que é penosa na juventude, mas deliciosa nos anos de maturidade.




(EINSTEIN, ALBERT)