segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Encerra-se 2018!


Hoje parei para pensar sobre o que escrever sobre o final de ano para meus amigos, conhecidos e as pessoas que me seguem nas redes sociais. Fiquei na dúvida entre a escrita de uma mensagem utilizando belas palavras, afirmando que o ano que entra será melhor ou algo mais “pé no chão”, como se costuma dizer. Optei pela segunda, pois não me sentiria bem escrevendo sobre algo que eu não acredito.

Encerra-se 2018, o ano que parecia não acabar, tão tenso e intenso foi este ano que trouxe a impressão de trazer três anos embutidos em um só. Mas, encerrou-se, tenham sido três, tenha sido um, encerrou-se. E, com ele, aparentemente, encerra-se um ciclo.

Todos esperam que 2019 seja melhor que 2018, assim como esperávamos que 2018 fosse melhor que 2017. O problema é esse: esperamos, apenas esperamos. E na espera da esperança, por vezes acabamos por nos iludir. Palavras ditas ao vento, afirmações que chocam e, ao mesmo tempo, refletem um sentimento de indignação que todos sentem, menos àquele que faz uso das palavras. Este não. Ele não é um indignado, é um calculista. Calcula o que dizer e o diz, na espera de que o dito reverbere no sentimento do povo, “pescando”, assim, apoio popular para seus projetos individuais.

Isso foi o que vimos ocorrer este ano. Em 2019, muitos que hoje sorriem, irão lamentar (infelizmente), pois os salvadores irão começar a mostrar à que vieram, e eles não vieram para fazer aquilo que o povo espera deles. Infelizmente, muitos irão abanar a cabeça discordando destas palavras e só lembrarão delas no momento em que os fatos começarem a se concretizar.

Em 2019, os que lutaram em 2018 terão que lutar ainda mais, com força redobrada e ânimo reforçado. E no processo da luta, terão que saber abrir os braços para àqueles que, até então, apoiavam o outro lado por esperança de que este fosse o melhor. Nesta hora, apontar o dedo e afirmar “isso é culpa sua” pode trazer a sensação de desabafo, mas não contribuirá em nada com a luta que temos que encampar.

Em 2019, a solidariedade se tornará mais necessária ainda. Solidariedade para entender o outro e para apoiar o outro. Temos muito chão pela frente e, em vários momentos, alguns irão cansar e precisar do ombro alheio para continuar a luta. E, cada um, precisará saber oferecer o ombro, lembrando que, talvez amanhã, seja ele a precisar. Quem sabe a experiência nos ensine, desta forma, a sermos mais solidários.

Direitos trabalhistas, previdenciários, direitos sociais em geral, educação pública, saúde pública, liberdade de ensino, ciência, meio ambiente e, até mesmo, segurança, estão na fila para serem atacados, mais ainda do que em 2018. É nosso dever lutar para que isso não ocorra ou, se ocorrer, lutar em sua defesa. Pois são nossos direitos e, portanto, somente nós podemos lutar por eles.

Falando em lutar por direitos, para quem é ativista (ambiental, por direitos sociais, direitos humanos...) temos pela frente um ano desafiador. Pois nosso ativismo se tornará ainda mais necessário, exatamente no momento em que à mesa da presidência da República estará sentado alguém que afirmou, com todas as letras, que “é preciso acabar com todo este ativismo”.

Enfim, 2019 (e provavelmente os demais) será e serão anos desafiadores. Anos de luta, de fortalecimento e construção coletiva. Como falei no início, gostaria de poder escrever algo singelo e de elevação do espírito, mas a realidade não me permite. Não será fácil, mas é possível vencer e superar, e vamos fazê-lo! Enfim, para encerrar, que a Esperança não morra, pois é ela que nos move. Ela, a pequena Esperança, última a sair da caixa de Pandora. Que o desejo da Utopia não desapareça, pois ele nos impele ao movimento e à luta por uma sociedade melhor, se não para nós, pelo menos para àqueles que vierem depois de nós. Nas belas palavras de Galeano:

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Então, não deixemos de caminhar, mesmo que o caminho tenha pedras e espinhos, mas, sempre, encontraremos uma ou duas flores pelo caminho. E elas já valem a caminhada!

São meus votos para 2019!

De luta e ânimo, e, também, felicidade, mas uma felicidade consciente e não embriagada. Uma felicidade que não impeça de se ver a realidade como ela é, para que possamos muda-la para melhor e construir um mundo como o descrito na Utopia de Eduardo Galeano:





Ass.

Luciano Egidio Palagano

Estudante, trabalhador, ativista e militante!

quinta-feira, 8 de março de 2018

Hipátia de Alexandria, a mulher que viveu pela ciência e morreu pela ignorância

O texto a seguir não é de minha autoria, mas sim do amigo Marcelo Zurita da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (BRAMON). Estou publicando o texto aqui no Blog com a autorização do mesmo. Resolvi publicar este texto como uma forma de homenagem do Razão à Conta-Gotas às mulheres pelo Dia Internacional das Mulheres e, ao mesmo tempo, trazer o alerta que o texto, e a História de Hipátia, representa contra o Fundamentalismo e a Ignorância, que voltam a crescer em nossa época.

Em 1977, as Nações Unidas reconheceram o dia 8 de março como “Dia Internacional da Mulher”. É uma data que celebra a luta das mulheres pelas igualdades de direitos e condições de trabalho. Mas 8 de março já era adotado como o dia da mulher desde 1917 na Rússia, quando cerca de 90 mil operárias protestaram contra as más condições de trabalho, a fome e a participação russa na guerra. Seis anos antes, também em 8 de março de 1911, trabalhadoras de uma fábrica têxtil de Nova York, declararam greve em protesto pelas más condições de trabalho. 129 mulheres foram mortas nos eventos que se sucederam a essa declaração. Há uma controvérsia sobre como isso ocorreu, mas segundo Victória Sal em seu livro “Dicionário Ideológico Feminista”, durante um dos protestos, todas as saídas da fábrica foram fechadas e o prédio foi incendiado, matando carbonizadas as mulheres que ocupavam o local.
 Caros leitores a história que vou contar hoje fala de uma mulher que fez a diferença no seu tempo, mas como sempre sofreu e infelizmente morreu por conta da ignorância e do preconceito, em um mesmo 8 de março, mas no ano de 415. A história é triste e confesso que relutei em escrever a respeito, porque ela é polêmica e meu ponto de vista pode ser mal interpretado. Entretanto acho que se essa história fosse sempre lembrada, talvez ela não se repetisse tanto como no caso de Nova York em 1911.

Conto aqui a história de Hipátia de Alexandria, que na sua época foi uma das mulheres mais influentes no Egito. Era uma cientista que trabalhava na Biblioteca de Alexandria, que era a maior fonte de conhecimento de todo mundo. Lá estavam armazenados a grande maioria de tudo aquilo que já havia sido escrito pelo homem, em qualquer área do conhecimento e da literatura.
Hipátia era matemática, astrônoma, médica e diretora da escola de filosofia neoplatônica em Alexandria. Um currículo de fazer inveja a qualquer um. Em uma época em que as mulheres viviam à sombra de seus maridos, Hipátia, apesar de muito bonita e de possuir uma grande quantidade de pretendentes, preferia se dedicar aos seus estudos e seu trabalho. Tinha o perfil de uma mulher feminista e independente, uma revolução para a sociedade machista da época. Mas seu pensamento progressista conflitava diretamente com um poder crescente naquela época.
Hipátia de Alexandria
Alexandria era, há tempos, governada por Roma e Hipátia tinha grande proximidade de Orestes, o Governador Romano do Egito. Entretanto, a vida de Orestes no poder não era nada fácil. O mundo passava por transformações com a Igreja Católica expandindo seu poder e tentando eliminar a influência e cultura pagãs. No Egito, seu representante maior era Cirilo, o Bispo de Alexandria e seu poder, por diversas vezes, conflitava com os poderes do Governador Orestes. Os cristãos do Egito, seguidores de Cirilo, tinham um histórico de conflitos contra os judeus, pagãos e contra as autoridades do Egito, inclusive quase vitimando o Governador Orestes.
Cirilo tinha grande desprezo por Hipátia, além dos motivos políticos, ele a considerava um símbolo do paganismo, por sua dedicação ao trabalho e à Ciência. Mas além de estudar muito, Hipátia também ensinava, tinha muitos discípulos que vinham de várias partes do mundo para aprender com ela. Seu local de trabalho, a Biblioteca de Alexandria, maior fonte do conhecimento humano de todo mundo, era considerado pela Igreja como um templo do paganismo. E isso incomodava muito a Cirilo. Segundo o historiador Sócrates de Constantinopla, Cirilo acreditava que ela estava competindo com o cristianismo, levando para longe de Cristo homenagens que pertenciam a ele. Ela estaria roubando de Deus os seus direitos e devia cair.
Todos esses fatos, faziam de Alexandria do início do Século V, uma verdadeira panela de pressão. E no ano de 415, essa panela começou a estourar.
O historiador Sócrates conta que, na tarde de 8 de março de 415, quando voltava do Museu de Alexandria, Hipátia foi atacada em plena rua, arrancada de sua carruagem por uma multidão de cristãos enfurecidos. Ela foi arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja, onde foi violentada, teve suas roupas rasgadas e sua carne arrancada dos ossos por conchas afiadas. Depois de morta, seu corpo despedaçado foi queimado fora dos limites da cidade e todos os seus trabalhos, destruídos.
Morte da Filosofa Hipátia, em Alexandria
Créditos: Louis Figuier

Isto aconteceu pouco tempo depois de Orestes ter ordenado a execução de um monge cristão, que havia atacado o Governador a pedradas. A execução deste monge enfureceu o Bispo Cirilo e seus correligionários. Não se sabe ao certo sobre um possível envolvimento de Cirilo na morte de Hipátia. Mas depois desse episódio, Orestes desistiu de sua disputa com Cirilo e abandonou Alexandria.
Os assassinos de Hipátia jamais responderam por esse crime. A Biblioteca de Alexandria foi destruída e junto com ela, grande parte o conhecimento acumulado pela humanidade por séculos. Cirilo seguiu ampliando seu poder e sua influência no mundo cristão. Sempre foi exaltado pela Igreja. Depois de sua morte, 30 anos depois, Cirilo foi santificado. Hoje é conhecido por todos como “São Cirilo” e talvez você tenha um “santinho” dele aí na sua casa.
São Cirilo - Bispo de Alexandria

Quero enfatizar que não conto essa história para questionar fé, religião ou a igreja. Estou apenas expondo fatos que contam a história triste dessa mulher fantástica. Hipátia foi uma mulher muito a frente do seu tempo. Sua história de superação dos paradigmas da época poderiam ter influenciado o mundo a abandonar seus preconceitos e seu machismo. Poderia ter nos levado a um outro patamar científico e de valorização do conhecimento. Entretanto, ela foi morta pelo mesmo preconceito e ignorância que ainda hoje vitima mulheres em todo o mundo.
Atenciosamente,
Marcelo Zurita – (83) 99926-1152
APA – Associação Paraibana de Astronomia
BRAMON – Rede Brasileira de Observação de Meteoros
Asteroid Day Brasil – Coordenação Regional Nordeste

Texto publicado originalmente em: http://www.folhapatoense.com/contributorpost/hipatia-de-alexandria-a-mulher-que-viveu-pela-ciencia-e-morreu-pela-ignorancia/#.WqGVVOjwbIV

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

DEZ ANOS FATÍDICOS

Segue, para vocês, o segundo texto compilado do livro Alber Einstein, Meus Últimos Anos. O presente texto foi escrito em 1939 às portas da Segunda Guerra Mundial:


Ao ler de novo as linhas que escrevi quase dez anos atrás, sou tomado por duas impressões estranhamente contrastantes. O que escrevi então ainda parece tão essencialmente verdadeiro como sempre; no entanto, tudo aquilo soa curiosamente remoto e estranho. Como é possível? Terá o mundo mudado tão profundamente nestes dez anos, ou será que simplesmente envelheci dez anos e meus olhos veem tudo sob uma luz diferente, mais pálida? Que são dez anos na história da humanidade? Não deveriam todas as forças que determinam a vida do homem ser consideradas constantes, se comparadas a um intervalo tão insignificante? Porventura minha razão crítica é tão suscetível que uma mudança fisiológica ocorrida em meu corpo nesses dez anos pode influenciar tão profundamente minha concepção de vida? Parece-me claro que considerações desse gênero não podem explicar uma mudança na abordagem emocional dos problemas gerais da vida. As razões dessa curiosa mudança tampouco podem ser buscadas em minhas próprias circunstâncias externas; pois sei que estas sempre desempenharam um papel secundário em meus pensamentos e emoções.

Hitler presente uma reunião de uma das células da Juventude Hitlerista

Não, algo muito diferente está envolvido. Nestes dez anos, a confiança na estabilidade da sociedade humana, sim, até na própria base da existência, desapareceu em grande parte. Sentimos não só uma ameaça à herança cultural humana, mas também que se está conferindo um valor mais baixo a tudo aquilo que gostaríamos de ver defendido a todo custo.
Não há dúvida de que em todos os tempos, o homem consciente teve aguda consciência de que a vida é uma aventura, de que a vida deve, permanentemente, ser arrancada da morte. Os perigos eram em parte externos: podíamos cair escada abaixo e quebrar o pescoço, perder nosso meio de subsistência sem nenhuma culpa, ser condenados embora inocentes, ou arruinados por calúnia. A vida na sociedade humana significava perigos de toda sorte; mas esses perigos eram de natureza caótica, sujeitos ao acaso. A sociedade humana como um todo parecia estável. Avaliada pelos ideais do gosto e da moralidade, era claramente imperfeita. Mas, no geral, sentíamo-nos em casa nela e, salvo pelos muitos acidentes possíveis, relativamente seguros. Aceitávamos suas qualidades intrínsecas como naturais, como o ar que respirávamos. Até os padrões de virtude, aspiração e verdade prática eram considerados uma herança inviolável, comum a toda humanidade civilizada.
É certo que a Primeira Guerra Mundial já havia abalado esse sentimento de segurança. A inviolabilidade da vida desaparecera e o indivíduo já não podia agir como convinha e ir aonde queria. A mentira fora alçada à dignidade de um instrumento político. A guerra, no entanto, era vista em grande parte como um evento externo, e pouco ou nada como o resultado de uma ação consciente e planejada do homem. Pensava-se nela como uma interrupção da vida normal do homem, vinda de fora, universalmente considerada lamentável e má. O sentimento de segurança em relação aos objetivos e valores humanos permanecia essencialmente inabalado.
O desdobramento posterior foi acentuadamente marcado por eventos políticos que, em si mesmos, não tem alcance tão amplo quanto seu pano de fundo sociopsicológico, mais difícil de apreender. Primeiro, um rápido e promissor passo à frente, caracterizado pela criação da Liga das Nações através da grandiosa iniciativa de Wilson, e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva entre as nações.
Padres Católicos fazendo a saudação Nazista
Depois, a formação dos Estados fascistas, acompanhada por uma série de pactos violados e atos patentes de violência contra a humanidade e contra nações mais fracas. O sistema de segurança coletiva desabou como um castelo de cartas, com consequências até hoje incalculáveis. Foi uma manifestação de fraqueza de caráter e falta de responsabilidade por parte dos líderes dos países atingidos, e de um míope egoísmo, nas democracias – as que ainda continuam aparentemente intactas – que impediu qualquer contra-ataque vigoroso.
Benito Mussolini e Adolf Hitler
As coisas pioraram ainda mais do que o teria ousado prever o pior dos pessimistas. Na Europa, a leste do Reno, o livre exercício do intelecto não existe mais, a população vive aterrorizada por bandidos que se apossaram do poder e a juventude é envenenada por mentiras sistemáticas. Os pseudossucessos de aventureiros políticos deslumbraram o resto do mundo, torna-se evidente em toda parte que esta geração carece da firmeza e da força que permitiram a gerações anteriores conquistar, mediante penosa luta e grande sacrifício, a liberdade política e intelectual do homem.
A consciência deste estado de coisas ensombrece a cada hora de minha existência atual, ao passo que, dez anos atrás, ainda não ocupava meus pensamentos. É isto que sinto com tanta intensidade ao reler as palavras escritas no passado.
Sei contudo que, no fim das contas, o homem muda muito pouco, ainda que as noções dominantes o façam aparecer sob uma luz muito diversa em diferentes momentos, e ainda que tendências como as que estão hoje em curso lhe tragam um sofrimento inimaginável. De tudo isso, não restará nada além de umas poucas páginas deploráveis nos livros de história, que retratarão sucintamente para a juventude de gerações futuras os desatinos de seus ancestrais.
(Albert Einstein – 1939)

domingo, 18 de fevereiro de 2018

O PACTO

Olá! O texto de hoje não é de minha autoria. É um conto, ao estilo dos Contos de Terror e Morte de Edgar Allan Poe. Este conto foi escrito pelo meu amigo Edson Petry, que me autorizou a publicar o mesmo, em primeira mão, aqui no Razão. Advirto: não é um conto para espíritos impressionáveis.

O PACTO

Peguei o corredor e fui ao fundo. Desci a escada e dei com os alicerces em ruínas. Lugar escuro, amplo, complexo, mofado, irregular e uma sufocante sensação de estar sendo observado. Assustado, resolvi recuar. Voltei ao quarto, deitei na cama e dormi outra vez. E mais uma vez fui acordado com batidas na porta.

Abri e entrou um casal. Ele alto, bem vestido, grotesco, terno preto, garrafa de Whisky na mão. Ela pequena, bonita, cabelos negros longos, seios quase à mostra, mini saia longa, imensas botas negras. Pararam diante da janela e se puseram a beber. Entraram correndo dois meninos, arrancaram suas roupas, jogaram-se no chão e começaram a se chupar. Resolvi sair.

Peguei o corredor em direção ao hall e dei de cara com uma grande festa. Muita bebida, homens mulheres e crianças, luzes coloridas, som alto, noite, danças, drogas, sexo e risadas, gritos e tapas. Me encantei com uma das meninas que dançava ali perto mas logo veio um sujeito que me tocou no ombro e disse: --- Tá vendo aquele cara gigante e musculoso ali, que está vindo para cá? Então. É o dono dela. Fiz meia volta e me afastei.

Alguns jovens se aproximaram. Duas moças me abraçaram e começaram a me acariciar. Estava em êxtase quando chegou um rapaz e com muita seriedade e segurança na voz disse que eu estava preparado, que se eu quisesse, eu estava pronto e que seria uma honra tanto para mim quanto para eles.

Levaram-me para um canto e me apresentaram a três velhas senhoras de cabelos grisalhos. Estavam sentadas uma ao lado da outra em carteiras escolares. Sobre a mesinha cada uma delas velava um livro e sustentavam na mão uma caneta pesada. Disseram que bastava que eu assinasse. Hesitei por um instante mas, apesar da tentação, me neguei e nunca me arrependi da decisão.


Meio tonto e sem saber o que estava acontecendo, lutei comigo e me desvencilhando daquelas mãos, corri em direção ao quarto. No corredor me deparei com várias portas entreabertas. Hipnotizado, espiei por uma delas e paralisado, percebi que muitas pessoas esquartejadas estavam ali dependuradas em ganchos e, ainda vivas, agonizavam, gemiam e urravam. Algumas, dependuradas de cabeça para baixo, engasgavam no próprio sangue. Horrorizado, por outras frestas, vi pessoas concentradas num sexo brutal se deliciando na mais pervertida das orgias. Algumas espumavam pela boca enquanto enfiavam grandes objetos em seus buracos, bebiam e se lambuzavam. Muitos gemiam alto, de dor ou de prazer.

Apavorado, passei batido pelo 415, meu quarto, e corri até o fim o grande corredor. Desci as escadas e desapareci na penumbra dos alicerces. Os gritos de horror ali eram ainda mais intensos. Simplesmente fechei os olhos e corri o quanto pude. Como se assim pudesse enxergar melhor.

Desesperado, corri por um espaço que parecia não ter fim e de um cem número de mãos me desvencilhei. Quando parei, encontrava-me no salão de entrada do prédio, um mundo elegantemente decorado em preto e pérola se descortinava diante de meus olhos incrédulos. Caixões ritualmente alinhados compunham um cenário arrebatador. Castiçais e velas enormes dançavam um jogo de luz fantasmagórico.

Imediatamente um sacerdote se aproximou e como se estivesse me esperando, me chamou pelo nome e gentilmente pediu que eu me deitasse dentro de um deles. Explicou-me com bastante calma e doçura que estavam me dando mais uma chance. Bastava que eu me deitasse ali e fingisse minha própria morte.


Pulei por cima de uma corrente, subi numa pilha de caixões encostados na parede e me alcei para o galho da árvore que entrava pela janela alta. Uma dúzia de sacerdotes me perseguiu tentando me segurar mas, pararam à porta assim que deixei o prédio.

A rua não era mais a Avenida João Pessoa, e nem tampouco existia o prédio da Faculdade de Economia. O asfalto, todo arrebentado, encolhia-se para os lados. Ruínas e nada mais e não havia outros prédios a não ser a Casa do Estudante. Será que o mundo havia acabado enquanto eu me escondia no 415?

Corri sem olhar para trás e vi coisas que nunca mais quero ver. Alguns seres se debatiam como cães famintos por um pedaço de carne humana. Volta e meia passava algum carro em alta velocidade tentando atropelar tudo o que estivesse pela frente e grandes nuvens de poeira entravam pelos meus olhos.

Dobrei ali onde era a Azenha e dei de frente com uma velha casinha de madeira que mal se sustentava em pé, mas soltava fumaça pela chaminé. Não parecia que ainda houvesse madeira para ser queimada. Na varanda, uma típica família fazia sua refeição e lançava os ossos a um cãozinho sem patas. O pai não tinha um braço e faltava-lhe um olho. Falava pelo nariz enquanto cuspia comida pelo lábio leporino. Mamãe andava mancando de pernas abertas. Tinha a cabeça caída sobre o ombro como se estivesse quebrada e um braço voltado para trás. Sustentava duas mãos esquerdas! A menina menor enxergava pela testa e seus cabelos desgrenhados eram maiores que o corpo sem tórax. A irmã mais velha não tinha cabeça. Pelo menos eu não vi.

Dei meia volta e saí a toda em direção à Casa do Estudante. Alguns carros tentavam a qualquer custo me atropelar. Lagartas, minhocas e lagostas coloridas gigantescas, vinham em minha direção pelo lado oposto. Eu podia vê-las no horizonte por sobre o prédio. Aos pedaços alcancei a grande árvore na frente da casa onde morei por tantos anos. Subi nela, entrei pela janela e me deitei num caixão de pérolas.



Eluiz Sevast Petry
dezembro de 2017

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Retomada!

Este é o primeiro texto de uma série de artigos que pretendo reproduzir no Blog de forma a disponibilizá-los para tod@s. Estes textos, que marcam o retorno do Blog Razão à Conta-Gotas à ativa compõem o livro "ALBERT EINSTEIN, meus últimos anos", publicado pela Editora Nova Fronteira. Os textos presentes na obra, compreendem um período de tempo que vai de 1934 a 1950, ou seja: inicio da ascensão do Nazismo (Alemanha) e Fascismo (Itália) passando pela Segunda Guerra Mundial até o início da Guerra Fria. Para quem quiser todos os textos juntos, recomendo a obtenção do livro.
A ideia desta série de publicações é que ela seja semanal, irei tentar manter uma periodicidade de publicar um texto diferente do livro a cada Segunda-Feira, o que não significa que no intervalo de tempo não possam haver textos novos com temáticas diferentes, pois a ideia é retomar o blog aos poucos, reconstruindo a sua proposta original: regar com um pouco de Razão estes tempos insanos, mesmo que à Conta-Gotas. Ainda sobre os textos da obra, aviso aqui que não serão tecidos comentários sobre os mesmos, apenas os irei disponibilizar. Evitarei tecer comentários para permitir que cada leitor absorva e analise os textos à sua própria maneira. Bom, já me delonguei demais, vamos ao texto de abertura:



AUTORRETRATO



Dificilmente temos consciência do que é significativo em nossa própria existência, e isso certamente não deve preocupar nosso vizinho. Que sabe um peixe sobre a água em que nada a vida inteira?
Albert Einstein fotografado por Philippe Halsman em 1947

O amargo e o doce vêm de fora, o penoso vêm de dentro, de nossos próprios esforços. Na maioria das vezes, faço aquilo a que minha própria natureza me impele. É embaraçoso ganhar tanto respeito e amor por causa disso. Setas de ódio também foram disparadas contra mim; mas nunca me atingiram, porque de algum modo pertenciam a um outro mundo, com o qual não tenho nenhuma ligação.
Vivo naquela solidão que é penosa na juventude, mas deliciosa nos anos de maturidade.




(EINSTEIN, ALBERT)