terça-feira, 23 de abril de 2024

Marechal Cândido Rondon e o Racismo Estrutural.

Marechal Cândido Rondon e o Racismo Estrutural.

Recentemente, em um determinado programa jornalístico de bastante alcance em Marechal Cândido Rondon, um convidado (de direita é claro) questionou as afirmações sobre a existência de racismo em Marechal Cândido Rondon. No entanto, esta semana, verifiquei mais uma demonstração fática sobre o racismo latente de determinados indivíduos que residem e mantém conexões com Marechal Cândido Rondon: nos comentários sobre a participação de uma militante negra do PSOL de Marechal, no encontro nacional da Negritude da legenda, o que encontramos, de maneira geral, é o mais puro chorume que exala do racismo que alguns tentam disfarçar, mas não conseguem.

Fonte: página do Jornal O Presente em 22/04/2024.
Print realizado às 09h30min do dia 23/04/2024.

Observem a imagem.... Nela, em comentários que buscam disfarçar o racismo com a mesma lógica de afirmações como "Dia da Consciência Humana" para se contrapor ao "Dia da Consciência Negra", percebemos o substrato social que fermenta e fertiliza o preconceito racial em nosso país. E, como Marechal Cândido Rondon não é uma ilha isolada, este mesmo racismo disfarçado pode ser percebido no município.

Quero mencionar, aqui, dois fatos que corroboram com a afirmação de que, em Marechal Cândido Rondon, o racismo é latente e estrutural, principalmente junto à "suposta" elite política e econômica. Um fato é de conhecimento público, e todas e todos, que residem no município há alguns anos, devem conhecer; o outro é um fato particular, um relato que ouvi quando cursava História no campus da Unioeste em Marechal Cândido Rondon.

Vamos ao primeiro fato:

A região da cidade que engloba os bairros Alvorada e Botafogo, composta por loteamentos como Rainha, Luciana I, Luciana II, BNH e outros tem sua própria história. Esta não é uma região nova na cidade, pelo contrário: o BNH, por exemplo, tem sua origem em um programa de habitação popular do final da década de 80, se não estou muito enganado, em 1986. O fato é que, naquela época e, até bem recentemente, já no século XXI, àquela região da cidade era conhecida, em termos populares, como "Planeta dos Macacos". Sim! Isso mesmo! O termo era este! E sabem por quê? Porque naquela região, área periférica da cidade, residiam as famílias de menor renda no município e, em sua maioria, com um fenótipo mais escuro do que o padrão oficial da "cidade mais germânica do Paraná". Por isso, àquela região não era só considerada uma outra cidade, mas um outro planeta, uma outra sociedade. Ela era a região dos "outros". O "Planeta dos Macacos"! Eu ouvi esse termo diversas vezes, quando dizia onde residia pois, por mais de 20 anos, morei no Alvorada ou no Botafogo e, por diversas vezes, ao informar o meu endereço, da boca do outro "escapava" a expressão: "Ah! Então você mora no Planeta dos Macacos!"
Até hoje tal termo ainda pode ser encontrado "escapando" da boca de alguns moradores mais antigos do município! E isso retrata a memória social da população sobre a condição da negritude.

Vamos ao segundo fato:

Em 2005 eu cursava o curso de História, no campus rondonense da UNIOESTE. Da minha turma faziam parte um casal de amigos que residia em Cascavel e precisava vir, todos os dias, para Marechal para participar das aulas. Como não tinham carro, meus amigos vinham de ônibus! Naquela época existia uma disponibilidade maior de horários de ônibus entre Marechal e Cascavel. Em um certo dia de aula, durante o intervalo, eles me fizeram um relato que ficou na minha memória até hoje, o relato de um acontecimento que lhes marcou e, quando me contaram, mexeu comigo também. Este casal de amigos estava na rodoviária em Marechal Cândido Rondon, era julho, mês de aniversário do município. Período em que o discurso sobre os pioneiros floresce nas bocas e nos meios de comunicação. Esperando na rodoviária, os dois encontraram um senhor, já idoso, negro e com feições de quem sofreu e trabalhou muito na vida. Conversa vai, conversa vem, desandam à falar sobre Marechal Cândido Rondon e sua história, assim como a festa do município e dos tais pioneiros. Até que, em algum momento, durante a conversa, de acordo com meus amigos, este senhor, com os olhos marejados, olha para eles e afirma, mais ou menos, assim:

"_ Eu também sou pioneiro! Eu também faço parte da história da cidade"

O senhor em questão vivia no município há mais de 50 anos! Ele também foi uma das primeiras pessoas a chegarem no, então distrito de General Rondon, mas o nome dele nunca foi citado. Ele nunca foi lembrado! A relação de "pioneiros" não reconhecia sua existência. O seu sobrenome era invisível, assim como a cor da sua pele: negra.

De acordo com este casal de amigos, ao afirmar: "Eu também sou pioneiro" e que também fazia parte da história da cidade, foi possível perceber no mesmo uma certa mágoa e melancolia sobre o fato de que, mesmo residindo em Marechal há mais de 50 anos (o fato se passou em 2005) a sua existência nunca foi lembrada e sua colaboração para com a cidade nunca foi reconhecida.

Enfim, estes são dois fatos, um que eu mesmo vivi e outro que ouvi, que demonstram como o racismo está, sim, impregnado na cultua e na memória social de nossa região e, especificamente, por ser o objeto deste texto, em Marechal Cândido Rondon. Escrevo este texto, não como forma de condenação, mas como um alerta! Um alerta para o fato de que existe um problema, sobre o qual precisamos olhar e, a partir disso, combatê-lo. 

Sobre não ser racista e sobre ser antirracista:

Quando falamos sobre racismo estrutural em Marechal, ou em qualquer outra cidade, não estamos afirmando que todas e todos naquele local são indivíduos racistas, mas, sim, que existe uma lógica estrutural na organização dos serviços públicos, na memória oficial, na política... que reproduz o racismo. E esta lógica se alimenta, também, do fato de muitas pessoas em posição de comando (seja na política ou na economia) agirem, muitas vezes, de forma racista, reproduzindo afirmações, termos, formas de pensar e agir racistas sem refletir sobre isso, de maneira naturalizada, como os comentários na publicação que deu origem à esta reflexão. Isso se espraia, como areia levada pela água, infiltrando-se em todos os espaços da sociedade. Neste sentido, debater o racismo, seja no quesito individual seja no quesito estrutural, é mais do que importante: é urgente!

Assim, termino esta reflexão, apelando para que os formadores de opinião de nossa região reflitam sobre isso e se somem à esta luta e, também, aproveito para manifestar, aqui, todo o meu apoio à minha amiga, e camarada de partido, Viviane Rodrigues e encerro com a famosa afirmação de Ângela Davis: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista."

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Nota pessoal de apoio à Historiadora Mayara Balestro

"Gostaria de expressar, aqui, a minha total, mais ampla e irrestrita solidariedade à Historiadora Mayara Balestro, que está sendo atacada por denunciar as conexões entre o grupo negacionista Brasil Paralelo e empresários que financiam o mesmo. A Mayara, em sua Dissertação de Mestrado, estudou durante quase três anos a atuação do grupo Brasil Paralelo e as conexões em torno do mesmo. Um estudo rigoroso, altamente qualificado, e que seguiu a Metodologia Científica, algo muito diferente do método de produção do Brasil Paralelo. Este grupo, bastante conhecido nas redes sociais através de suas produções, que tentam emplacar um revisionismo histórico, negando fatos e deturpando a realidade histórica, se projetou durante o governo Bolsonaro e vêm ganhando muito dinheiro com suas produções que falsificam a narrativa histórica, divulgam o negacionismo científico e estimulam o pensamento e sentimento proto-fascista.

Nas últimas semanas, ao expor as conexões deste grupo com diversos empresários, um deles (o Sr. Leandro Ruschel - que atua no mercado financeiro) começou a persegui-la e ataca-la nas redes sociais. Expondo prints do perfil dela no facebook, junto com o link de acesso, atacando-a moralmente em uma série de publicações no Twitter e em outras plataformas; o que o Sr. Leandro Ruschel vem fazendo é, claramente, um caso grave de assédio moral e precisa ser penalizado por isso! Sua ação, seu modus operandi, demonstra a forma de agir dessas pessoas, que não aceitam o mínimo questionamento e perseguem àqueles e àquelas que ousam expor os ossos que escondem dentro do armário.
Fica aqui a minha total solidariedade à Mayara que, como pesquisadora é alguém de uma capacidade técnica incrível, como amiga é uma pessoa maravilhosa e generosa e, como ser-humano, diferente de pessoas como o Sr. Fernando Ruschel, – que se move pelo ódio – é movida pela paixão pelas causas sociais e dos setores oprimidos.

Ass.
Luciano Egidio Palagano
Historiador
Conselheiro Nacional da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.

Para quem quiser conhecer a pesquisa, este é o link para acesso à Dissertação:

https://drive.google.com/file/d/1dIXCaAvlELgaP8O4uyhInXHgP0n6KfqB/view?usp=sharing

Este texto também pode ser acessado em sua publicação original no seguinte link:

https://www.facebook.com/professorlucianopalagano/photos/a.1658439154175448/5348041195215207/