Irmã Dorothy Stang |
Fumaça, reza, espiritualidade! Senso de união, democracia direta,
ausência de propriedade privada! COMUNIDADE no seu sentido mais
pleno da palavra!
Há dois dias atrás, durante 4 horas eu vivenciei isso! Tive esta
experiência, e ela me tocou. Tanto que aquelas 4 horas me fazem
falta agora. Onde vivi estas 4 horas? Em uma aldeia indígena.
Não sei se foi bom ou ruim, por que naquele momento, compartilhando
da bebida do milho e participando da reza, eu me senti parte de uma
comunidade que não era a minha, mas que me recebeu como parte dela, e
agora sinto falta disso.
Coração apertado, pensamentos que surgem e desaparecem tão rápidos,
que nem me dou conta do que querem dizer, ou do que realmente são.
Sinto o ar a minha volta, as teclas em meus dedos que correm soltos
pelo teclado, em um ato automático sem que meu cérebro se dê conta
do que realmente estão fazendo.
Sofro! Sofro pelos que estão, sofro pelos que foram, sofro pelos que
vão!
É como se sentisse em meu corpo,e na minha mente, cada morte, cada
angústia, cada dor, daqueles que em seu momento derradeiro foram
obrigados a abandonar a luta de toda uma vida, mas ao mesmo tempo com
este abandono serviram de exemplos para os que ficaram.
Pe. Ezequiel Ramin Celebração do Dia do Lavrador em Cacoal - RO. |
Mártires das lutas sociais, que morreram por cometerem o único
pecado de lutarem por um mundo melhor, não para si, mas para os
outros.
Mártires de todas as cores! Mártires de todos os povos! Mártires de
todos os credos! Mártires de todas as épocas!
Alguns nominados e lembrados, outros para sempre esquecidos!
E nós?
Os vivos, ditos lutadores, autoproclamados militantes.
E nós?
Que fazemos para honrar a luta destas vidas que foram ceifadas?
Nominamos instituições, centros de estudos, centros acadêmicos,
ONG's, escolas, faculdades, ruas, avenidas, prédios... Criamos
cartas de apoio e denuncia, que muitas vezes são veiculadas apenas
entre nós mesmos. Levamos pessoas as ruas, onde elas gritam sem
saber por que.
Pe. Ezequiel Ramin encontrado morto. |
E depois, a noite, debaixo de um teto que nos esconde do olhar
acusador das estrelas, as mesmas que viram a luta dos mártires. Em
cima de uma cama confortável, com o estomago cheio de comida regada
a cerveja ou vinho, dormimos tranquilos, com a sensação de missão
cumprida.
E sonhamos! Sonhamos que somos grandes líderes revolucionários, que
nossas ideias mudam o mundo, e somos ovacionados por todos!
Sonhamos!
Sonhamos e acordamos!
E levantamos, para fazer agora o mesmo de
antes, e sonhar com o mesmo de sempre!
Chico Mendes |
Chico Mendes, Santos Dias da Silva, Dorothy Stang, Olga Prestes,
Zumbi, Pe. Ezequiel Ramin, Pe. João Bosco Penido Burnier, Margarida
Maria Alves, Silvia Marribel Arriola, Nestor Paz Zamorra, Tito
Alencar Lima, Nativo da Natividade de Oliveira, Dom Romero, Dircelina
Folador, Marçal Tupã-i, Galdino Jesus dos Santos, Pe. Rodolfo
Lukenbein, Pe. Vicente Cañas e tantos outros que deram sua vida e
sua morte pela luta dos oprimidos.
Marçal Tupã-i |
Estamos agindo de forma a honrar a luta destas pessoas?
Neste momento de comoção popular, eu vejo um aumento de pautas
conservadoras, pautas que estas pessoas tanto combateram, e ao mesmo
tempo eu vejo a chamada esquerda apegada aos seus castelinhos
particulares, no lugar de se unir para a construção de um mundo
melhor.
Vejo dentro da esquerda, aproveitadores piores do que muitos da
direita, que se usam da influência que tem sobre outros e sobre
entidades, não para construir um mundo melhor, não para levar
adiante a luta pela pauta da classe trabalhadora, mas sim, para levar
adiante apenas as suas pautas particulares.
E enquanto ficamos correndo atrás do nosso próprio rabo, enquanto
ficamos brincando de militância e de ser esquerda, enquanto sonhamos
em ser grandes líderes e acordamos apenas para fazer aquilo que
sempre fizemos, o tempo passa, a exploração continua, e os mártires
de ontem, precisam assumir a obrigação de arranjar espaço para os
mártires de hoje e do futuro.
Zumbi dos Palmares (Não se sabe se a imagem é real) |
É claro que sei que existem pessoas que não agem desta maneira, mas
infelizmente, estes não são os que tem o controle do leme do barco!
E o barco, bom, este segue pela correnteza des-re-governado, sendo
dirigido para o precipício. E neste precipício, se encontra o fim de
qualquer possibilidade de construção para todos, daquele tipo de
comunidade descrita no inicio deste texto, e talvez também se
encontre o fim da comunidade que inspirou a descrição, e muitas
outras comunidades, que como ela, estão espalhadas pelo mundo afora.
QUANDO VOCÊ VAI ASSUMIR A SUA HISTÓRIA E HONRAR SEUS MÁRTIRES?
Ainda é tempo!!!