Ao ler de novo as linhas que escrevi quase dez anos atrás,
sou tomado por duas impressões estranhamente contrastantes. O que escrevi então
ainda parece tão essencialmente verdadeiro como sempre; no entanto, tudo aquilo
soa curiosamente remoto e estranho. Como é possível? Terá o mundo mudado tão
profundamente nestes dez anos, ou será que simplesmente envelheci dez anos e
meus olhos veem tudo sob uma luz diferente, mais pálida? Que são dez anos na
história da humanidade? Não deveriam todas as forças que determinam a vida do
homem ser consideradas constantes, se comparadas a um intervalo tão insignificante?
Porventura minha razão crítica é tão suscetível que uma mudança fisiológica
ocorrida em meu corpo nesses dez anos pode influenciar tão profundamente minha
concepção de vida? Parece-me claro que considerações desse gênero não podem
explicar uma mudança na abordagem emocional dos problemas gerais da vida. As
razões dessa curiosa mudança tampouco podem ser buscadas em minhas próprias circunstâncias
externas; pois sei que estas sempre desempenharam um papel secundário em meus
pensamentos e emoções.
Hitler presente uma reunião de uma das células da Juventude Hitlerista |
Não, algo muito diferente está envolvido. Nestes dez anos, a
confiança na estabilidade da sociedade humana, sim, até na própria base da
existência, desapareceu em grande parte. Sentimos não só uma ameaça à herança
cultural humana, mas também que se está conferindo um valor mais baixo a tudo
aquilo que gostaríamos de ver defendido a todo custo.
Não há dúvida de que em todos os tempos, o homem consciente
teve aguda consciência de que a vida é uma aventura, de que a vida deve, permanentemente,
ser arrancada da morte. Os perigos eram em parte externos: podíamos cair escada
abaixo e quebrar o pescoço, perder nosso meio de subsistência sem nenhuma
culpa, ser condenados embora inocentes, ou arruinados por calúnia. A vida na
sociedade humana significava perigos de toda sorte; mas esses perigos eram de
natureza caótica, sujeitos ao acaso. A sociedade humana como um todo parecia
estável. Avaliada pelos ideais do gosto e da moralidade, era claramente
imperfeita. Mas, no geral, sentíamo-nos em casa nela e, salvo pelos muitos
acidentes possíveis, relativamente seguros. Aceitávamos suas qualidades
intrínsecas como naturais, como o ar que respirávamos. Até os padrões de
virtude, aspiração e verdade prática eram considerados uma herança inviolável,
comum a toda humanidade civilizada.
É certo que a Primeira Guerra Mundial já havia abalado esse
sentimento de segurança. A inviolabilidade da vida desaparecera e o indivíduo
já não podia agir como convinha e ir aonde queria. A mentira fora alçada à
dignidade de um instrumento político. A guerra, no entanto, era vista em grande
parte como um evento externo, e pouco ou nada como o resultado de uma ação
consciente e planejada do homem. Pensava-se nela como uma interrupção da vida
normal do homem, vinda de fora, universalmente considerada lamentável e má. O sentimento
de segurança em relação aos objetivos e valores humanos permanecia
essencialmente inabalado.
O desdobramento posterior foi acentuadamente marcado por
eventos políticos que, em si mesmos, não tem alcance tão amplo quanto seu pano
de fundo sociopsicológico, mais difícil de apreender. Primeiro, um rápido e
promissor passo à frente, caracterizado pela criação da Liga das Nações através
da grandiosa iniciativa de Wilson, e o estabelecimento de um sistema de
segurança coletiva entre as nações.
Padres Católicos fazendo a saudação Nazista |
Benito Mussolini e Adolf Hitler |
As coisas pioraram ainda mais do que o teria ousado prever o
pior dos pessimistas. Na Europa, a leste do Reno, o livre exercício do
intelecto não existe mais, a população vive aterrorizada por bandidos que se
apossaram do poder e a juventude é envenenada por mentiras sistemáticas. Os pseudossucessos
de aventureiros políticos deslumbraram o resto do mundo, torna-se evidente em
toda parte que esta geração carece da firmeza e da força que permitiram a
gerações anteriores conquistar, mediante penosa luta e grande sacrifício, a
liberdade política e intelectual do homem.
A consciência deste estado de coisas ensombrece a cada hora
de minha existência atual, ao passo que, dez anos atrás, ainda não ocupava meus
pensamentos. É isto que sinto com tanta intensidade ao reler as palavras
escritas no passado.
Sei contudo que, no fim das contas, o homem muda muito
pouco, ainda que as noções dominantes o façam aparecer sob uma luz muito
diversa em diferentes momentos, e ainda que tendências como as que estão hoje
em curso lhe tragam um sofrimento inimaginável. De tudo isso, não restará nada
além de umas poucas páginas deploráveis nos livros de história, que retratarão
sucintamente para a juventude de gerações futuras os desatinos de seus ancestrais.
(Albert Einstein – 1939)
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