O PACTO
Peguei o corredor e fui ao fundo. Desci a escada e dei com os
alicerces em ruínas. Lugar escuro, amplo, complexo, mofado, irregular e uma
sufocante sensação de estar sendo observado. Assustado, resolvi recuar. Voltei
ao quarto, deitei na cama e dormi outra vez. E mais uma vez fui acordado com
batidas na porta.
Abri e entrou um casal. Ele alto, bem vestido, grotesco,
terno preto, garrafa de Whisky na mão. Ela pequena, bonita, cabelos negros
longos, seios quase à mostra, mini saia longa, imensas botas negras. Pararam
diante da janela e se puseram a beber. Entraram correndo dois meninos,
arrancaram suas roupas, jogaram-se no chão e começaram a se chupar. Resolvi
sair.
Peguei o corredor em direção ao hall e dei de cara com uma
grande festa. Muita bebida, homens mulheres e crianças, luzes coloridas, som
alto, noite, danças, drogas, sexo e risadas, gritos e tapas. Me encantei com
uma das meninas que dançava ali perto mas logo veio um sujeito que me tocou no
ombro e disse: --- Tá vendo aquele cara gigante e musculoso ali, que está vindo
para cá? Então. É o dono dela. Fiz meia volta e me afastei.
Alguns jovens se aproximaram. Duas moças me abraçaram e
começaram a me acariciar. Estava em êxtase quando chegou um rapaz e com muita
seriedade e segurança na voz disse que eu estava preparado, que se eu quisesse,
eu estava pronto e que seria uma honra tanto para mim quanto para eles.
Levaram-me para um canto e me apresentaram a três velhas
senhoras de cabelos grisalhos. Estavam sentadas uma ao lado da outra em
carteiras escolares. Sobre a mesinha cada uma delas velava um livro e sustentavam
na mão uma caneta pesada. Disseram que bastava que eu assinasse. Hesitei por um
instante mas, apesar da tentação, me neguei e nunca me arrependi da decisão.
Meio tonto e sem saber o que estava acontecendo, lutei
comigo e me desvencilhando daquelas mãos, corri em direção ao quarto. No
corredor me deparei com várias portas entreabertas. Hipnotizado, espiei por uma
delas e paralisado, percebi que muitas pessoas esquartejadas estavam ali
dependuradas em ganchos e, ainda vivas, agonizavam, gemiam e urravam. Algumas,
dependuradas de cabeça para baixo, engasgavam no próprio sangue. Horrorizado,
por outras frestas, vi pessoas concentradas num sexo brutal se deliciando na
mais pervertida das orgias. Algumas espumavam pela boca enquanto enfiavam
grandes objetos em seus buracos, bebiam e se lambuzavam. Muitos gemiam alto, de
dor ou de prazer.
Apavorado, passei batido pelo 415, meu quarto, e corri até o
fim o grande corredor. Desci as escadas e desapareci na penumbra dos alicerces.
Os gritos de horror ali eram ainda mais intensos. Simplesmente fechei os olhos
e corri o quanto pude. Como se assim pudesse enxergar melhor.
Desesperado, corri por um espaço que parecia não ter fim e
de um cem número de mãos me desvencilhei. Quando parei, encontrava-me no salão de
entrada do prédio, um mundo elegantemente decorado em preto e pérola se
descortinava diante de meus olhos incrédulos. Caixões ritualmente alinhados
compunham um cenário arrebatador. Castiçais e velas enormes dançavam um jogo de
luz fantasmagórico.
Imediatamente um sacerdote se aproximou e como se estivesse
me esperando, me chamou pelo nome e gentilmente pediu que eu me deitasse dentro
de um deles. Explicou-me com bastante calma e doçura que estavam me dando mais
uma chance. Bastava que eu me deitasse ali e fingisse minha própria morte.
Pulei por cima de uma corrente, subi numa pilha de caixões
encostados na parede e me alcei para o galho da árvore que entrava pela janela
alta. Uma dúzia de sacerdotes me perseguiu tentando me segurar mas, pararam à
porta assim que deixei o prédio.
A rua não era mais a Avenida João Pessoa, e nem tampouco
existia o prédio da Faculdade de Economia. O asfalto, todo arrebentado,
encolhia-se para os lados. Ruínas e nada mais e não havia outros prédios a não
ser a Casa do Estudante. Será que o mundo havia acabado enquanto eu me escondia
no 415?
Corri sem olhar para trás e vi coisas que nunca mais quero
ver. Alguns seres se debatiam como cães famintos por um pedaço de carne humana.
Volta e meia passava algum carro em alta velocidade tentando atropelar tudo o
que estivesse pela frente e grandes nuvens de poeira entravam pelos meus olhos.
Dobrei ali onde era a Azenha e dei de frente com uma velha
casinha de madeira que mal se sustentava em pé, mas soltava fumaça pela
chaminé. Não parecia que ainda houvesse madeira para ser queimada. Na varanda,
uma típica família fazia sua refeição e lançava os ossos a um cãozinho sem
patas. O pai não tinha um braço e faltava-lhe um olho. Falava pelo nariz
enquanto cuspia comida pelo lábio leporino. Mamãe andava mancando de pernas
abertas. Tinha a cabeça caída sobre o ombro como se estivesse quebrada e um
braço voltado para trás. Sustentava duas mãos esquerdas! A menina menor
enxergava pela testa e seus cabelos desgrenhados eram maiores que o corpo sem
tórax. A irmã mais velha não tinha cabeça. Pelo menos eu não vi.
Dei meia volta e saí a toda em direção à Casa do Estudante.
Alguns carros tentavam a qualquer custo me atropelar. Lagartas, minhocas e
lagostas coloridas gigantescas, vinham em minha direção pelo lado oposto. Eu
podia vê-las no horizonte por sobre o prédio. Aos pedaços alcancei a grande
árvore na frente da casa onde morei por tantos anos. Subi nela, entrei pela
janela e me deitei num caixão de pérolas.
Eluiz Sevast Petry
dezembro de 2017
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