É melhor acender uma vela,
do que praguejar contra a escuridão!
(Adágio popular)
Conforme
o prometido, vamos a segunda parte do texto. Sei que demorei um pouco
para publicar a mesma, mas acredito que ela vem em bom momento devido
ao processo eleitoral que hora vivenciamos. Afinal, se, infelizmente,
é comum ouvir-mos “meias verdades” e falácias no nosso dia a
dia, inclusive reproduzidas por meios que supostamente deveriam
informar e não ludibriar e manipular, como os meios de comunicação
por exemplo, durante o processo eleitoral o encontro do cidadão com
esta prática se exponencia.
Nesta
segunda parte do texto, pretendo apresentar a continuidade do método
de detectar mentiras elaborado por Carl Sagan, se na primeira parte o
metodo se concentra no argumento em si, ou seja, em perceber se o
argumentado é fato ou falácia/factóide, nesta segunda parte o
método se concentra no argumentador. Que técnicas utilizar para
perceber se o argumentador esta apenas nos enrolando, tentando nos
ludibriar ou se ele realmente tem a intenção de passar algo
verdadeiro? Como perceber em um debate, quem tem propriedade para
falar sobre o assunto e quem apenas infla o peito e desanda a repetir
frases feitas, ou reproduzir ideias pré-concebidas?
Da
mesma maneira, esta segunda parte trabalha o método que deve ser
utilizado por qualquer um que não queira reproduzir falácias, se a
primeira parte do método se centra NO QUE FAZER para detectar
falácias, esta segunda parte se centra NO QUE NÃO FAZER para não
correr o risco de reproduzi-las sem perceber.
Então,
a segunda parte é ao mesmo tempo um método de analise do outro
(como o outro esta apresentando a sua argumentação? Ela se
entrelaça com os fatos? A natureza dos fatos corrobora com a lógica
do argumento?) e um método de auto-analise (como eu devo proceder
para não ser enganado [primeira parte do método] e ao mesmo tempo
não ser reprodutor inconsciente de falácias [segunda parte do
método]?
Quanto
ao reprodutor consciente de falácias, ele pode ser desmascarado pelo
ouvinte através deste método, tanto quanto a sua falácia!
Enfim,
é necessário lembrar que junto com a analise do argumento devemos
também analisar o argumentador, e tenho certeza de que se você
utilizar este método no seu dia a dia, será menos manipulado e
ludibriado, tanto nos negócios, como na politíca (como falei antes
vivemos o processo eleitoral) e também no cotidiano diário.
Vamos
as dicas do método:
1.
quando atacamos o argumentador e não o argumento (por
exemplo: A reverenda dra. Smith é uma conhecida fundamentalista
bíblica, por isso não precisamos levar a sério suas objeções à
evolução);
2.
argumento de autoridade (por exemplo: O presidente
Richard Nixon deve ser reeleito porque ele tem um plano secreto para
pôr fim à guerra no Sudeste da Ásia — mas, como era secreto,
o eleitorado não tinha meios de avaliar os méritos do plano; o
argumento se reduzia a confiar em Nixon porque ele era o presidente:
um erro, como se veio a saber);
3.
argumento das consequências adversas (por exemplo:
Deve existir um Deus que confere castigo e recompensa, porque, se
não existisse, a sociedade seria muito mais desordenada e perigosa
talvez até ingovernável. Ou: O réu de um caso de homicídio
amplamente divulgado pelos meios de comunicação deve ser julgado
culpado; do contrário, será um estímulo para os outros homens
matarem as suas mulheres);
4.
apelo à ignorância — a afirmação de que qualquer coisa
que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa (por
exemplo: Não há evidência convincente de que os UFOs não
estejam visitando a Terra; portanto, os UFOs existem — e há vida
inteligente em outros lugares no Universo. Ou: Talvez haja
setenta quasilhões de outros mundos, mas não se conhece nenhum que
tenha o progresso moral da Terra, por isso ainda somos o centro do
Universo). Essa impaciência com a ambiguidade pode ser criticada
pela expressão: a ausência de evidência não é evidência da
ausência;
5.
alegação especial, frequentemente para salvar uma proposição
em profunda dificuldade teórica (por exemplo: Como um
Deus misericordioso pode condenar as gerações futuras a um tormento
interminável, só porque, contra as suas ordens, uma mulher induziu
um homem a comer uma maçã? Alegação especial: Você não
compreende a doutrina sutil do livre-arbítrio. Ou: Como pode
haver um Pai, um Filho e um Espírito Santo igualmente divinos na
mesma Pessoa? Alegação especial: Você não compreende o
mistério da Santíssima Trindade. Ou: Como Deus permitiu que
os seguidores do judaísmo, cristianismo e islamismo — cada um
comprometido a seu modo com medidas heróicas de bondade e compaixão
— tenham perpetrado tanta crueldade durante tanto tempo? Alegação
especial: Mais uma vez você não compreende o livre-arbítrio. E,
de qualquer modo, os movimentos de Deus são misteriosos);
6.
petição de princípio, também chamada de supor a resposta
(por exemplo: Devemos instituir a pena de morte para desencorajar
o crime violento. Mas a taxa de crimes violentos realmente cai
quando é imposta a pena de morte? Ou: A bolsa de valores caiu
ontem por causa de um ajuste técnico e da realização de lucros por
parte dos investidores. Mas há alguma evidência independente do
papel causal do “ajuste” e da realização de lucros? Aprendemos
realmente alguma coisa com essa pretensa explicação?);
7.
seleção das observações, também chamada de enumeração
das circunstâncias favoráveis, ou, segundo a descrição do
filósofo Francis Bacon, contar os acertos e esquecer os fracassos
(por exemplo: Um Estado se vangloria do presidente que gerou, mas
se cala sobre os seus assassinos que matam em série);
8.
estatística dos números pequenos — falácia aparentada com a
seleção das observações (por exemplo: ” Dizem que uma
dentre cada cinco pessoas é chinesa. Como é possível? Conheço
centenas de pessoas, e nenhuma delas é chinesa. Atenciosamente “.
Ou: Tirei três setes seguidos. Hoje à noite não tenho como
perder);
9.
compreensão errônea da natureza da estatística (por
exemplo: O presidente Dwight Eisenhower expressando espanto e
apreensão ao descobrir que metade de todos os norte-americanos tem
inteligência abaixo da média);
10.
incoerência (por exemplo: Prepare-se prudentemente
para enfrentar o pior na luta com um potencial adversário militar,
mas ignore parcimoniosamente projeções científicas sobre perigos
ambientais, porque elas não são “comprovadas”. Ou: Atribua
a diminuição da expectativa de vida na antiga União Soviética aos
fracassos do comunismo há muitos anos, mas nunca atribua a alta taxa
de mortalidade infantil nos Estados Unidos (no momento, a taxa mais
alta das principais nações industriais) aos fracassos do
capitalismo. Ou: Considere razoável que o Universo continue a
existir para sempre no futuro, mas julgue absurda a possibilidade de
que ele tenha duração infinita no passado);
11.
non sequitur —
expressão latina que significa “não se segue” (por exemplo: A
nossa nação prevalecerá, porque Deus é grande. Mas quase
todas as nações querem que isso seja verdade; a formulação alemã
era “Gott mit uns”). Com frequência, os que caem na falácia non
sequitur deixaram simplesmente de reconhecer as possibilidades
alternativas;
12.
post hoc, ergo propter hoc —
expressão latina que significa “aconteceu após um fato, logo foi
por ele causado” (por exemplo, Jaime Cardinal Sin, arcebispo de
Manila: ” Conheço [...] uma moça de 26 anos que aparenta
sessenta porque ela toma a pílula [anticoncepcional] “. Ou:
Antes de as mulheres terem o direito de votar, não havia armas
nucleares);
13.
pergunta sem sentido (por exemplo: O que acontece
quando uma força irresistível encontra um objeto imóvel? Mas
se existe uma força irresistível, não pode haver objetos imóveis,
e vice-versa);
14.
exclusão do meio-termo, ou dicotomia falsa — considerando
apenas os dois extremos num continuum de
possibilidades intermediárias (por exemplo: Claro, tome o
partido dele; meu marido é perfeito; eu estou sempre errada. Ou:
Ame o seu país ou odeie-o. Ou: Se você não é parte da
solução, é parte do problema);
15.
curto prazo versus
longo prazo
— um subconjunto da exclusão do meio-termo, mas tão
importante que o separei para lhe dar atenção especial (por
exemplo: Não temos dinheiro para financiar programas que
alimentem crianças mal nutridas e eduquem garotos em idade
pré-escolar. Precisamos urgentemente tratar do crime nas ruas.
Ou: Por que explorar o espaço ou fazer pesquisa de ciência
básica, quando temos tantas pessoas sem teto?);
16.
declive escorregadio, relacionado à exclusão do meio-termo
(por exemplo: Se permitirmos o aborto nas primeiras semanas da
gravidez, será impossível evitar o assassinato de um bebê no final
da gravidez. Ou, inversamente: Se o Estado proíbe o aborto
até no nono mês, logo estará nos dizendo o que fazer com os nossos
corpos no momento da concepção);
17.
confusão de correlação e causa (por exemplo: Um
levantamento mostra que é maior o número de homossexuais entre os
que têm curso superior do que entre os que não o possuem; portanto,
a educação torna as pessoas homossexuais. (por íncrível
que pareça este é um argumento usado por setores fundamentalistas
dos EUA para tentar impedir que as pessoas entrem em contato com o
pensamento científico na universiade e ao mesmo tempo reproduz o
preconceito contra os homossexuais) Ou: Os terremotos andinos
estão correlacionados com as maiores aproximações do planeta
Urano; portanto — apesar da ausência de uma correlação desse
tipo com respeito ao planeta Júpiter, mais próximo e mais volumoso
— o planeta Urano é a causa dos terremotos);
18.
espantalho — caricaturar uma posição para tornar mais fácil
o ataque (por exemplo: Os cientistas supõem que os seres
vivos simplesmente se reuniram por acaso — uma formulação que
ignora propositadamente a ideia darwiniana central, de que a natureza
se constrói guardando o que funciona e jogando fora o que não
funciona. Ou isso é também uma falácia de curto prazo/longo prazo
— os ambientalistas se importam mais com anhingas e corujas
pintadas do que com gente);
19.
evidência suprimida, ou meia verdade (por exemplo: Uma
“profecia” espantosamente exata e muito citada do atentado contra
o presidente Reagan é apresentada na televisão; mas — detalhe
importante — foi gravada antes ou depois do evento? Ou: Esses
abusos do governo pedem uma revolução, mesmo que não se possa
fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos. Sim, mas será uma
revolução que causará muito mais mortes do que o regime anterior?
O que sugere a experiência de outras revoluções? Todas as
revoluções contra regimes opressivos são desejáveis e vantajosas
para o povo?);
20.
palavras equívocas (por exemplo, a separação dos
poderes na Constituição norte-americana especifica que os Estados
Unidos não podem travar guerra sem uma declaração do Congresso.
Por outro lado, os presidentes detêm o controle da política externa
e o comando das guerras, que são potencialmente ferramentas
poderosas para que sejam reeleitos. Portanto, os presidentes de
qualquer partido político podem ficar tentados a arrumar disputas,
enquanto desfraldam a bandeira e dão outros nomes às guerras —
“ações policiais”, “incursões armadas”, “ataques de
reação protetores”, “pacificação”, “salvaguarda dos
interesses norte-americanos” e uma enorme variedade de “operações”,
como a “Operação da Causa Justa”. Os eufemismos para a guerra
são um dos itens de uma ampla categoria de reinvenções da
linguagem para fins políticos. Talleyrand disse: “Uma arte
importante dos políticos é encontrar novos nomes para instituições
que com seus nomes antigos se tornaram odiosas para o público”).
Encerro assim, este
texto publicado em duas partes com as palavras do Sagan: “Conhecer
a existência dessas falácias lógicas e retóricas completa o nosso
conjunto de ferramentas. Como todos os instrumentos, o kit de
detecção de mentiras pode ser mal empregado, aplicado fora do
contexto, ou até usado como uma alternativa mecânica para o
pensamento. Mas, aplicado judiciosamente, pode fazer toda a diferença
do mundo — ao menos para avaliar os nossos próprios argumentos
antes de os apresentarmos aos outros.” E espero que ao ler as duas
partes do texto, você encontre uma ferramenta que possa lhe
possibilitar “a refinada arte de detectar mentiras”!
E lembre-se, muitas
vezes “a credulidade mata” e isso não é uma frase de
efeito!
Este texto se baseia no capítulo 12, do livro O Mundo Assombrado pelos Demônios: a Ciência vista como uma vela no escuro.
O livro pode ser encontrado, em PDF, neste link:
https://www.academia.edu/15585004/Carl_sagan_o_mundo_assombrado_pelos_demonios
Este texto se baseia no capítulo 12, do livro O Mundo Assombrado pelos Demônios: a Ciência vista como uma vela no escuro.
O livro pode ser encontrado, em PDF, neste link:
https://www.academia.edu/15585004/Carl_sagan_o_mundo_assombrado_pelos_demonios
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