Eu estava curtindo meu domingo visitando parentes quando
recebi a mensagem de um amigo (Prof. Jaime Farherr militante do PSTU)
que me informava que na noite anterior, um indígena havia sido
assassinado em Guaíra e uma criança havia sido baleada. A noticia me pegou de surpresa, e meu amigo não tinha mais informações do que
aquelas parcas e muitas vezes distorcidas informações repassadas
pela imprensa local. Depois de algumas trocas de mensagens, decidimos
ele, eu e minha namorada (Prof. Teresa Masuzaki) irmos até Guaíra
no mesmo dia para obtermos informações mais detalhadas e de fontes mais confiáveis.
Assim que cheguei em casa combinamos o horário para nos
dirigirmos a Guaíra, não haviamos até aquele momento conversado
com ninguém do Movimento Indígena, por isso tentamos entrar em
contato com o Cacique Ilson Soares da Tekohá Y'ouvy. Após algumas
tentativas conseguimos entrar em contato, e então informar que estávamos a
caminho para fazer uma visita e obter informações.
Fomos em três no carro, Jaime Farherr, Teresa Masuzaki
e eu, o clima era de indignação, conversávamos sobre o fato de
fazendeiros no Mato Grosso do Sul estarem fazendo leilões para se
armarem, criando uma milicia e ao que parecia o governo não estava
fazendo nada contra. Minha namorada, Teresa, dormia no banco de trás,
cansada da correria do dia e ciente de que ainda teríamos muito a
fazer naquele dia, sendo que ela ainda precisaria preparar suas aulas
para o dia seguinte.
Ao chegarmos em Guaíra fomos a Tekohá Y'ouvy, onde
fomos calorosamente recebidos pelo Cacique Ilson Soares e sua
companheira Vicenta.
Após uma breve conversa questionei o cacique e
sua esposa se por acaso eles não teriam a disponibilidade de ir
conosco à Tekohá Mirim, aldeia onde o indígena assassinado
residia. De imediato o cacique se dispôs a ir conosco, sua
companheira mostrou apreensão ao dizer que se preocupava com o fato
do Ilson sair da aldeia devido as ameaças e ao evento recente, mas
mesmo assim ambos foram conosco até a Tekoha Mirim.
Crianças na Tekoha Y'ouvy |
No caminho para a Tekohá Mirim, ao passarmos no local
do assassinato, Ilson nos informa dentro do carro
_ Foi aqui que aconteceu.
Eu fico surpreso, pois o local é uma avenida, local
extremamente iluminado, onde seria perceptível a qualquer um perceber
o que acontecia e ver o carro e provavelmente também os seus passageiros. Penso comigo: “Ao que parece a repressão violenta
começa a se tornar cada vez mais legitimada a partir do discurso de
fomentação do ódio apresentado nos últimos meses. Isso pode se
tornar perigoso.”
A aldeia Tekohá Mirim, fica do outro lado da cidade em
relação a Aldeia Tekohá Y'ouvy, um local insalubre, próximo a
margem brasileira do rio Paraná. Se de maneira geral as Tekohás se
encontram em condições precárias a Tekohá Mirim é uma das mais
precarizadas, esta é a segunda visita que fiz a mesma. Segundo informações de Arnaldo, cacique da Tekohá Mirim vivem na aldeia
pouco mais de 90 indígenas entre homens, mulheres e crianças.
Chegamos na aldeia por volta das 21 horas, a primeira coisa que me
chama a atenção é o céu estrelado. Um indígena comenta:
_ Escuro aqui, né?
Eu respondo: _ Pelo menos conseguimos ver as estrelas,
algo que nas cidades não conseguimos mais.
Logo que chegamos, um grupo de indígenas monta em uma
carroça puxada a cavalo e vai embora, provavelmente para suas
casas. Nós ficamos ali, na casa do cacique Arnaldo. Ele traz algumas
cadeiras para nos sentarmos enquanto sua esposa esta acendendo a
fogueira, com a intenção de iluminar o local da conversa (uma vez
que já estava anoitecendo) e com a fumaça espantar os mosquitos e
borrachudos.
Devido a precariedade das instalações da aldeia:
ausência de energia elétrica e sem água tratada para todos a
conversa ocorre sob a luz da fogueira, de celulares e de um farolete. Tento anotar algumas coisas, até mudo de lugar para tentar fazer com
que a fogueira ilumine minha agenda, mas é impossível. Lembro então
que o celular tem a função gravador, então configuro o mesmo e o
coloco no centro da roda de forma a gravar a conversa. Na roda
percebo os rostos sérios e ao mesmo tempo o olhar apreensivo dos
Caciques Ilson e Arnaldo, também estão na roda o Prof. Jaime
Farherr, minha namorada Teresa Masuzaki, as esposas dos caciques
Vicenta (esposa de Ilson) e Simone (esposa de Arnaldo) e Alexandre,
um indígena morador da aldeia onde estávamos. Inicio a conversa informando o motivo de estarmos na aldeia: conseguir informações
sobre o assassinato do indígena Bernardino.
Os dois caciques
informam que não é de hoje que eles recebem ameaças, que
constantemente os indígenas estão sendo ameaçados na região, e
que pessoas chegam a vir na aldeia apenas com o intuito de
ameaçá-los.
Mencionam a morte de uma senhora indígena no inicio de
2013, em frente a rodoviária de Guaíra, onde uma camionete da cor
branca atropelou a senhora e se evadiu do local. O fato foi
apresentado como tendo sido um acidente, mas tudo indica que o
atropelamento foi proposital. Questiono sobre o ocorrido com
Bernardino, se eles poderiam nos dizer o que aconteceu. Com a
resposta deles percebo que a situação é pior do que parece, e que
novamente a imprensa local presta um desserviço a população ao
noticiar o fato de maneira equivocada, deturpada e por que não,
mentirosa.
Segundo os caciques Ilson e Arnaldo, diferentemente do
noticiado pela imprensa, o fato ocorreu da seguinte maneira:
No sábado o indígena Bernardino e mais alguns se
dirigiram a aldeia Tekohá Porã para um jogo de futebol. Segundo as
informações que nos foram repassadas, já durante o dia um homem
teria proferido ameaças e mostrado uma arma no local do jogo,
dizendo: “Pelo menos um índio vai morrer hoje!”
Bernardino, agora sem vida. Sua luta acabou,
mas a de seu povo apenas começou!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
|
Após o termino do jogo, o indígena Bernardino e mais 5
menores voltavam para a aldeia Tekohá Mirim, quando um carro prata
com três pessoas dentro teria passado por eles e disparado os tiros,
naquele momento eles se encontravam em frente a Tekoha Karumbey.
Neste lamentável episódio, o indígena Bernardino Dávila veio a óbito e uma criança indígena de 11 anos foi atingida.
Existem indícios de que a ideia dos atiradores era eliminar os 6
indígenas ali presentes, ou seja, o objetivo era uma chacina.
Desta forma, o relato que nos foi passado, destoa, e muito, do
que vem sendo publicado na imprensa regional sobre o fato. A imprensa
local tenta passar a imagem de que foi uma briga de bar, e que a
criança que foi baleada é um outro caso independente, quando na
verdade o que ocorreu parece ter sido bem diferente.
ONDE ESTA A SUPOSTA INDEPENDÊNCIA E NEUTRALIDADE DA
IMPRENSA NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ?
Deve estar no bolso de quem à paga!
Este fato, somado as denuncias de ameaças, ao
atropelamento da senhora indígena no inicio do ano, ao movimento de
armamento dos ruralistas, a constante pressão contra a FUNAI e a
população indígena local, ao descaso com que o poder publico vem
tratando da situação, ao preconceito que aumenta cada vez mais o índice de suicídios entre os indígenas, só vem agravar ainda mais
a complexa situação em que se encontra a região Oeste do PR.
Caixão de Bernardino Fotografia: Ilson Soares (Gentileza) |
Este assassinato, ao que parece uma provável tentativa
de chacina, pode acabar sendo a porta aberta para a legitimação de
ações violentas por parte dos grupos políticos e econômicos que se
posicionam contra a demarcação das reservas indígenas. Os mesmos
grupos que financiaram e vem financiando uma campanha de difamação
contra a FUNAI e contra os índios, que vem enganando a população
com dados falsos sobre o processo de demarcação e vem tentando
colocar oprimido contra oprimido de forma a legitimar seu poder e
suas atitudes violentas.
Estes olhos não veem mais, esta boca não fala mais!
Mas, no seu silêncio grita por justiça!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
|
É necessário que as entidades dos movimentos sociais,
principalmente da região se unam em torno da causa indígena.
Estes pés não irão mais pisar o solo da Tekoha,
mas sua ausência sinaliza a necessidade da luta!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
|
INDÍGENA BERNARDINO!
_ PRESENTE!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O seu comentário será moderado afim de verificar se não há ofensas de cunho pessoal, palavras de baixo calão, enfim qualquer comentário que possa servir de motivo para que este blog seja acionado judicialmente.
Apenas neste intuito! Críticas consistentes, e oríundas de diversidades de ideias, que possam dar possibilidade ao debate serão sempre bem vindas, e não serão moderadas. Mesmo que as críticas sejam ao autor! Apenas pedimos que para que os comentários não sejam retidos na moderação, eles não sejam feitos de maneira anônima!
Atenciosamente:
Luciano Egidio Palagano