segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ódio e Preconceito fazem mais uma vítima! Bernardino presente!

Eu estava curtindo meu domingo visitando parentes quando recebi a mensagem de um amigo (Prof. Jaime Farherr militante do PSTU) que me informava que na noite anterior, um indígena havia sido assassinado em Guaíra e uma criança havia sido baleada. A noticia me pegou de surpresa, e meu amigo não tinha mais informações do que aquelas parcas e muitas vezes distorcidas informações repassadas pela imprensa local. Depois de algumas trocas de mensagens, decidimos ele, eu e minha namorada (Prof. Teresa Masuzaki) irmos até Guaíra no mesmo dia para obtermos informações mais detalhadas e de fontes mais confiáveis.
Assim que cheguei em casa combinamos o horário para nos dirigirmos a Guaíra, não haviamos até aquele momento conversado com ninguém do Movimento Indígena, por isso tentamos entrar em contato com o Cacique Ilson Soares da Tekohá Y'ouvy. Após algumas tentativas conseguimos entrar em contato, e então informar que estávamos a caminho para fazer uma visita e obter informações.
Fomos em três no carro, Jaime Farherr, Teresa Masuzaki e eu, o clima era de indignação, conversávamos sobre o fato de fazendeiros no Mato Grosso do Sul estarem fazendo leilões para se armarem, criando uma milicia e ao que parecia o governo não estava fazendo nada contra. Minha namorada, Teresa, dormia no banco de trás, cansada da correria do dia e ciente de que ainda teríamos muito a fazer naquele dia, sendo que ela ainda precisaria preparar suas aulas para o dia seguinte.
Ao chegarmos em Guaíra fomos a Tekohá Y'ouvy, onde fomos calorosamente recebidos pelo Cacique Ilson Soares e sua companheira Vicenta.
Crianças na Tekoha Y'ouvy
Após uma breve conversa questionei o cacique e sua esposa se por acaso eles não teriam a disponibilidade de ir conosco à Tekohá Mirim, aldeia onde o indígena assassinado residia. De imediato o cacique se dispôs a ir conosco, sua companheira mostrou apreensão ao dizer que se preocupava com o fato do Ilson sair da aldeia devido as ameaças e ao evento recente, mas mesmo assim ambos foram conosco até a Tekoha Mirim.
No caminho para a Tekohá Mirim, ao passarmos no local do assassinato, Ilson nos informa dentro do carro
_ Foi aqui que aconteceu.
Eu fico surpreso, pois o local é uma avenida, local extremamente iluminado, onde seria perceptível a qualquer um perceber o que acontecia e ver o carro e provavelmente também os seus passageiros. Penso comigo: “Ao que parece a repressão violenta começa a se tornar cada vez mais legitimada a partir do discurso de fomentação do ódio apresentado nos últimos meses. Isso pode se tornar perigoso.”
A aldeia Tekohá Mirim, fica do outro lado da cidade em relação a Aldeia Tekohá Y'ouvy, um local insalubre, próximo a margem brasileira do rio Paraná. Se de maneira geral as Tekohás se encontram em condições precárias a Tekohá Mirim é uma das mais precarizadas, esta é a segunda visita que fiz a mesma. Segundo informações de Arnaldo, cacique da Tekohá Mirim vivem na aldeia pouco mais de 90 indígenas entre homens, mulheres e crianças. Chegamos na aldeia por volta das 21 horas, a primeira coisa que me chama a atenção é o céu estrelado. Um indígena comenta:
_ Escuro aqui, né?
Eu respondo: _ Pelo menos conseguimos ver as estrelas, algo que nas cidades não conseguimos mais.
Logo que chegamos, um grupo de indígenas monta em uma carroça puxada a cavalo e vai embora, provavelmente para suas casas. Nós ficamos ali, na casa do cacique Arnaldo. Ele traz algumas cadeiras para nos sentarmos enquanto sua esposa esta acendendo a fogueira, com a intenção de iluminar o local da conversa (uma vez que já estava anoitecendo) e com a fumaça espantar os mosquitos e borrachudos.
Devido a precariedade das instalações da aldeia: ausência de energia elétrica e sem água tratada para todos a conversa ocorre sob a luz da fogueira, de celulares e de um farolete. Tento anotar algumas coisas, até mudo de lugar para tentar fazer com que a fogueira ilumine minha agenda, mas é impossível. Lembro então que o celular tem a função gravador, então configuro o mesmo e o coloco no centro da roda de forma a gravar a conversa. Na roda percebo os rostos sérios e ao mesmo tempo o olhar apreensivo dos Caciques Ilson e Arnaldo, também estão na roda o Prof. Jaime Farherr, minha namorada Teresa Masuzaki, as esposas dos caciques Vicenta (esposa de Ilson) e Simone (esposa de Arnaldo) e Alexandre, um indígena morador da aldeia onde estávamos. Inicio a conversa informando o motivo de estarmos na aldeia: conseguir informações sobre o assassinato do indígena Bernardino. 
Os dois caciques informam que não é de hoje que eles recebem ameaças, que constantemente os indígenas estão sendo ameaçados na região, e que pessoas chegam a vir na aldeia apenas com o intuito de ameaçá-los.
Mencionam a morte de uma senhora indígena no inicio de 2013, em frente a rodoviária de Guaíra, onde uma camionete da cor branca atropelou a senhora e se evadiu do local. O fato foi apresentado como tendo sido um acidente, mas tudo indica que o atropelamento foi proposital. Questiono sobre o ocorrido com Bernardino, se eles poderiam nos dizer o que aconteceu. Com a resposta deles percebo que a situação é pior do que parece, e que novamente a imprensa local presta um desserviço a população ao noticiar o fato de maneira equivocada, deturpada e por que não, mentirosa.
Clique aqui, aqui, e aqui e veja o discurso repetitivo da imprensa local sobre o fato.
Segundo os caciques Ilson e Arnaldo, diferentemente do noticiado pela imprensa, o fato ocorreu da seguinte maneira:
No sábado o indígena Bernardino e mais alguns se dirigiram a aldeia Tekohá Porã para um jogo de futebol. Segundo as informações que nos foram repassadas, já durante o dia um homem teria proferido ameaças e mostrado uma arma no local do jogo, dizendo: “Pelo menos um índio vai morrer hoje!” 
Bernardino, agora sem vida. Sua luta acabou, 
mas a de seu povo apenas começou!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
Após o termino do jogo, o indígena Bernardino e mais 5 menores voltavam para a aldeia Tekohá Mirim, quando um carro prata com três pessoas dentro teria passado por eles e disparado os tiros, naquele momento eles se encontravam em frente a Tekoha Karumbey. Neste lamentável episódio, o indígena Bernardino Dávila veio a óbito e uma criança indígena de 11 anos foi atingida. Existem indícios de que a ideia dos atiradores era eliminar os 6 indígenas ali presentes, ou seja, o objetivo era uma chacina.
Desta forma, o relato que nos foi passado, destoa, e muito, do que vem sendo publicado na imprensa regional sobre o fato. A imprensa local tenta passar a imagem de que foi uma briga de bar, e que a criança que foi baleada é um outro caso independente, quando na verdade o que ocorreu parece ter sido bem diferente.

ONDE ESTA A SUPOSTA INDEPENDÊNCIA E NEUTRALIDADE DA IMPRENSA NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ?
Deve estar no bolso de quem à paga!



Este fato, somado as denuncias de ameaças, ao atropelamento da senhora indígena no inicio do ano, ao movimento de armamento dos ruralistas, a constante pressão contra a FUNAI e a população indígena local, ao descaso com que o poder publico vem tratando da situação, ao preconceito que aumenta cada vez mais o índice de suicídios entre os indígenas, só vem agravar ainda mais a complexa situação em que se encontra a região Oeste do PR.
Caixão de Bernardino
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
Este assassinato, ao que parece uma provável tentativa de chacina, pode acabar sendo a porta aberta para a legitimação de ações violentas por parte dos grupos políticos e econômicos que se posicionam contra a demarcação das reservas indígenas. Os mesmos grupos que financiaram e vem financiando uma campanha de difamação contra a FUNAI e contra os índios, que vem enganando a população com dados falsos sobre o processo de demarcação e vem tentando colocar oprimido contra oprimido de forma a legitimar seu poder e suas atitudes violentas.
Estes olhos não veem mais, esta boca não fala mais!
Mas, no seu silêncio grita por justiça!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
É necessário que o poder público tome providências imediatas quanto a estas questões, é necessário que os meios de imprensa que sejam pegos noticiando mentiras sobre o fato sejam multados e acionados judicialmente além de serem denunciados como imprensa mentirosa para a população.
É necessário que as entidades dos movimentos sociais, principalmente da região se unam em torno da causa indígena.
Estes pés não irão mais pisar o solo da Tekoha,
mas sua ausência sinaliza a necessidade da luta!
Fotografia: Ilson Soares (Gentileza)
Quanto tempo mais teremos de esperar? Quantas vidas mais deverão ser ceifadas pela ganância, pelo ódio e pelo preconceito?
Termino este texto que já ficou longo, com um nó na garganta e com um grito:
INDÍGENA BERNARDINO!

_ PRESENTE!

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