sexta-feira, 25 de março de 2011

Maya em ação: a relação entre essência e aparência. (Parte III)

Segue abaixo, a terceira e última parte do Artigo "Maya em ação: a relação entre a essência e aparência.



(...) Como exemplo mais prático podemos pegar o dinheiro. O valor do dinheiro em seus primórdios, era pautado na raridade do material com que era feito. Logo, moedas de ouro valiam mais que moedas de prata, que valiam mais que as de bronze. Enfim, existia sim uma espécie de fetichização do valor, mas esta fetichização estava vinculada à raridade empírica do material. O que a sociedade capitalista faz, é fetichizar a própria fetichização, e retirar o valor empírico.

Para isso constroem-se noções de valor de forma artificial, ou seja, o valor é aparente, desdobrando-se única e exclusivamente de uma construção social. Exemplo disso ainda é o próprio dinheiro. Hoje, usa-se dinheiro de papel, que é muito mais abundante do que qualquer metal, mas mesmo assim, se continua dando valor ao dinheiro, pode-se dizer que esse valor é retirado de uma convenção social, mas é mais do que isso. A questão da raridade (essência) ainda está posta, pois é só lembrar que existe um controle na emissão de moedas, que mantém um certo patamar de emissão impedindo que se emita demais, pois isso acarretaria em uma desvalorização da moeda. Logo, a essência se mantém, só que de forma artificial, tornando-se assim a própria essência uma aparência ao se mudar o material. Se a raridade era essência do ouro, ela não faz parte do papel, essa raridade controlada é uma construção social, e é apresentada enquanto essência, mas no fim é aparência.

E é contra essa confusão que acontece na sociedade capitalista que Marx nos adverte. Ao criar o dualismo entre essência e aparência, o capitalismo reveste de essência a aparência e omite a verdadeira essência. Coloca-se um véu na frente da consciência dos indivíduos que os impedem de ver a essência das coisas. Como prega a religião Hindu: é a soberania de Maya, a deusa que pondo um véu sobre a consciência dos humanos esconde a verdadeira essência das coisas. Outro exemplo é o salário, no processo de confundir essência com aparência, o trabalhador é estimulado a acreditar que a relação salarial é justa, e que o valor que ele está recebendo é o valor total do tempo da venda de seu trabalho, quando na verdade este valor é uma ínfima parte do valor que ele produziu, mas que no processo de sublimação torna-se solúvel e se camufla.

Ver o mundo e a sociedade através do viés da aparência, é como querer analisar o corpo conhecendo apenas a mão, ao ver a mão não se deixa de ver o corpo, pois ela é parte do corpo, assim como a aparência não está descolada da realidade, pelo contrário é parte dela. Mas ao se ver apenas a mão, não se tem a possibilidade de analisar todo o conjunto, e verificar como a mão se move, e por que ela está viva. Analisando a mão pela mão, você vai dar a razão da vida da mão à própria mão; e não se apercebe de que ela está viva porque faz parte de todo um conjunto que se camufla e se esconde da análise.

Segundo Marx, o papel da ciência está justamente aí, em perceber o além da aparência, em transcender essa visão cotidiana do mundo, percebendo as relações imbricadas que compõem a sociedade, mas que estão camufladas, dentro de seus efeitos. É necessário então, ir além dos efeitos e perceber as causas do mesmo. Logo, como diz Marx, "toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas" (Marx, 1984. P.939), mas diz também Marx que "todas as ciências, exceto a Economia Política, reconhecem que as coisas apresentam uma aparência oposta à sua essência" (Marx, 1867. P. 620). Portanto, se na Ciência busca-se distinguir entre uma e outra, essa relação imbricada entre a essência e a aparência é negada dentro das relações econômicas, de forma a tentar disfarçar as verdadeiras concepções que estas reproduzem.

Aparência e Essência não são duas realidades opostas, são pelo contrário duas faces de uma mesma realidade, só que o capitalismo procura sublimar uma e dar base para a outra, fazendo com que assim uma se passe pela outra, e a outra pareça não existir. O sistema ao buscar constantemente camuflar a essência apresentando apenas a aparência como verdadeira, negando assim a relação dialética existente entre as duas, apresenta-se como completo, fechado e eterno, negando assim as suas contradições internas. É Maya em ação, escondendo dos humanos, a verdadeira essência das coisas.

 

Um comentário:

  1. Olá.

    Luciano seus artigos são otimos e de grande
    relevância. Mas aqui vai a dica de uma futura Jornalista. Vivemos em um mundo onde tudo acontece muito rápido e as informações também devem ser passadas de forma rápida e de preferência curtas. Então se quiser levar isso em conta faça artigos menores, muito longos são cansativos e muitos leitores poderiam perder o que você escreve.
    bjo.

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