segunda-feira, 18 de julho de 2011

O TEMPO CRONOLÓGICO E SEU REFERENCIAL RELATIVÍSTICO – I PARTE

O texto abaixo é da autoria de Valmir De França, pesquisador da Universidade Estadual de Londrina publicado originalmente na coluna CIÊNCIA EM FOCO, esta é a primeira parte do artigo publicado aqui com a autorização do autor, amanhã estarei publicando a segunda parte. Boa leitura a todos!
Valmir de França*
Dedico este ensaio ao meu Irmão Ubirajara da Cunha

Quando olhamos o mostrador do relógio para sabermos a hora, o que lemos é a codificação do modelo de rotação do nosso planeta Terra. O modelo simula a medida de uma volta completa em torno do seu eixo, isto é, um giro de 360o, passando duas vezes pelo mesmo ponto, com a duração relativa de 23h 56min 04s, denominado Dia Sideral. Este ponto poderá ser uma estrela na abóbada celeste ou outros astros como pontos de referência como o Sol. No segundo exemplo a duração do mesmo movimento é de 24h 00min 00s, denominado Dia Solar, portanto 3min 56s mais longo do que o Dia Sideral.
Agora sabemos que é preciso uma referência para a determinação do tempo cronológico. Primeiramente a percepção humana com a prevalência do senso comum, cujo conceito detempo “é indicado por intervalos ou períodos de duração”; – otempo é o registro de uma sequência de eventos, um ocorre após o outro, por intervalos sucessivos. Marcando-se o início e o término dos eventos, teremos assim um período, um tempopercorrido, um tempo gasto.
Cientificamente, “tempo é uma grandeza física diretamente associada ao seqüenciamento mediante ordem de ocorrência de eventos coincidentes – eventos estes sempre observados a partir da origem do referencial para o qual se define o tempo”.
No início do Sec. XX, mais precisamente em 1905, a Teoria da Relatividade de Albert Einstein (1879 – 1955) criou outros fundamentos que revolucionaram a Física Clássica caracterizando a Moderna. Os fenômenos físicos não são generalizados e nem absolutos, dependendo de um referencial ou são relativos a um determinado campo referencial e/ou da localização do observador. Quando estamos no ônibus em movimento, o seu condutor à nossa frente não se desloca em relação a nós, está parado. Mas, em relação a um observador na calçada o motorista está em movimento, isto é, ocorre um deslocamento do motorista em relação ao observador parado na calçada.
Temos também o tempo relativístico – que “explicita a dependência da coincidência de eventos com o referencial a partir do qual se observam os mesmos”, como no exemplo hipotético acima sobre as características dos eventos físicos que dependem de referenciais ou, são relativos a pontos ou planos referenciais. Assim, o conceito de tempo cronológico perde a condição de grandeza absoluta e universal, passando a ser uma grandeza estritamente local, uma grandeza dependente e atrelada à origem de um referencial em específico.
Perguntaríamos: o tempo cronológico é igual em todo Universo? Claro que não, conforme os fundamentos introdutórios deste ensaio, com abordagem aproximativa, no contexto da Teoria da Relatividade.
Como seria o tempo em outros planetas, em outros mundos?
Durante a Segunda Onda Toffleriana (A Terceira Onda, Alvin Toffler) o homem deixou de coletar seu alimento e aprendeu a plantar, iniciar a prática da agricultura. Aprendeu a enterrar a semente da planta alimentícia e fazer germinar outra planta idêntica para sustentar a sua família, a sua tribo. Mas surgiu um grande desafio: seria necessário o uso de um sistema que apresentasse alguns eventos cíclicos na natureza para embasar o planejamento da rudimentar agricultura – uma espécie de calendário. Saberia desta forma a época da semeadura e da colheita, como também as épocas das manifestações culturais, religiosas, administrativas, etc. A resposta veio através das observações dos movimentos aparentes dos astros, como do Sol, da Lua e das estrelas. Quando o Sol, ou alguma estrela ou grupos de estrelas aparentemente próximas (constelação) apareciam em determinado ponto da linha do horizonte, correspondia a certa Estação do Ano como um fenômeno sazonal, ou o solstício e o equinócio. Aprendeu a usar estas informações para saber as épocas de plantio e da colheita e dos mais variados eventos culturais. Podemos afirmar que foi o nascimento da futura ciência que hoje conhecemos como Astronomia. Nasceu para a necessidade da sobrevivência do ser humano, podemos acrescentar que também para a preservação de sua cultura.
A partir deste marco histórico da Humanidade o homem passou a observar e registrar os movimentos dos astros e, progressivamente construir e aperfeiçoar os calendários. Vamos encontrar esta cultura em todos os povos, em todos os continentes habitados ao longo da história das civilizações em nosso planeta. Os nossos índios já utilizavam o calendário baseado na Astronomia. Estudos realizados pelo saudoso astrônomo Marcomede Rangel Nunes (1951 – 2010) sobre a Astronomia dos índios Desaña (Tukano Oriental) da região do Alto Rio Negro, Amazônia brasileira, exemplificam esta cultura pré-colombiana entre as nações autóctones do nosso Pindorama, conforme o quadro a seguir:
Quadro 1. Relação das constelações dos índios Desânas, identificadas pelo astrônomo Marcomede Rangel Nunes do Observatório Nacional, com as constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional. Os indicadores e as atividades a elas relacionadas encontram se na última coluna.
CONSTELAÇÃO
(Nome em Desâna)
SIGNIFICADO
IDENTIFICAÇÃO
ATIVIDADE
Añá siñoliru
Iluminação da Jararaca
Cruzeiro do Sul
Fortes chuvas.
Añá dihpuro
Cabeça da jararaca

Limpeza do solo.
Añá dëhpë puiró
Corpo da jararaca

Derrubada das árvores.
Añá diubá puiró
Ovos de jararaca
Estrelas Alfa e Beta do Centauro
Coleta de cogumelos.
Añá poleró beró
Rabo redondo de jararaca
Cauda do Escorpião
Pesca: ocorre a primeira piracema do aracu.
Pamo ngoá dëhka
Fêmur de tatu

Chuvas.
Pamo
Tatu

Segunda piracema do aracu.
Ñahsin kamë
Camarão

Terceira piracema do aracu; coleta de maniuaras1, saúvas e formigas da noite.
Yé disiká poaló
Barba do queixo da onça
Pedaço da Ursa Maior (?)
Fim do ciclo das pira-cemas e da safra de umari 2
Yé dëhpë puiró
Corpo da onça

Caça às rãs
Yé poleró beró
Rabo redondo da onça

Fim da caça às rãs e da coleta de formigas; coleta de cupins.
1 Maniuaras: um tipo de formiga
2 Umari: fruta típica da região.

Podemos reafirmar que ainda hoje a cultura astronômica está presente nos mais variados calendários em quase todas as regiões do nosso planeta. Podemos exemplificar os calendários, espanhóis, ingleses, nórdico-europeus, franceses, etc., onde cada dia da semana corresponde a um determinado astro.
Quadro 2. Origens dos nomes da semana e comparação entre diversos calendários em diferentes países, com base na Astronomia.
Português Moderno
Português Arcaico
Deus romano
deus saxão
Espanhol
Italiano
Francês
Domingo
Sol
Sol
Domingo
Domenica
Dimanche
Lues (pronuncia-se lũes)
Lua
Lua
Lunes
Lunedì
Lundi
Martes
Marte
Tyr
Martes
Martedì
Mardi
Mércores
Mercúrio
Odin
Miércoles
Mercoledì
Mercredi
Joves
Júpiter
Thor
Jueves
Giovedì
Jeudi
Vernes
Vênus
Freya
Viernes
Venerdì
Vendredi
Sábado
Saturno
Saturno
Sábado
Sabato
Samedi

Se de um lado as observações e respectivos registros sistemáticos fundamentaram a atual Ciência Astronomia, do outro lado, o senso comum utilizado para entender o fenômeno encontrou na religião uma âncora. O conjunto de fenômenos que indicavam as fases fenológicas das espécies agrícolas, as datas das festividades aos deuses (solstícios, equinócios, etc.) alimentaram uma cultura mística. Criou-se deste modo a religião politeísta denominada Astrologia, onde cada astro é um deus com finalidades específicas (ver no quadro acima os deuses romanos e os deuses saxões).  Esta espécie de sincretismo religioso está no senso comum por não saberem naquela época o fenômeno real da natureza relacionado às colheitas, às doenças, etc. Esta conotação mística, religiosa, para justificar os fenômenos naturais nos faz lembrar de uma frase do escritor alemão Thomas Mann (1875 – 1955): “O bem do homem pensante é explorar o explorável e serenamente venerar o inexplorável” (Apenas para informação, Thomas Mann era filho  de Johann Heinrich  Mann e da brasileira Júlia da Silva Bruhns).
Na época da agricultura primitiva quando o cultivo de certa planta estava relacionado a certos astros que embora servissem como calendários, também eram aclamados para que “dessem” boas colheitas, chuvas nos períodos de estiagens severas, vitórias nas guerras, cura para certa enfermidade, etc. Assim, os astros eram concebidos como verdadeiros deuses. Para os nossos indígenas a Lua era considerada a deusa Jaci, Caramuru – o deus dos trovões, etc.

A necessidade do uso e registro do tempo foi mais por motivo social e administrativo. A história nos diz que os primeiros aparelhos inventados pelo homem para marcar o tempo ocorreu aproximadamente 1.500 a.C no Egito – foi o Relógio-de-Sol ou Quadrante Solar (Figura ao lado) O Relógio-de-Sol determina a “hora solar local”. A montagem e uso dos quadrantes solares contribuíram para traçar as linhas básicas da geometria cartográfica terrestre, que são os meridianos, os paralelos, a determinação correta das direções cardeais pelo Sol.  
O que é horário solar local? Por exemplo, quando é “meio dia solar local” em Paranaguá que corresponde ao Meridiano 48o 31’ 52” Oeste,   ainda não é o mesmo horário em Foz do Iguaçu cujo Meridiano é 54o 35’05”Oeste. Uma vez que o planeta Terra gira no sentido Oeste para Leste, o Sol passa primeiro pelo Meridiano de Paranaguá e, 24 minutos depois, passará pelo Meridiano de Foz do Iguaçu que está a 6o de Longitude a Oeste do litoral paranaense. Mas, atualmente as duas cidades paranaenses estão no mesmo Fuso Horário onde a hora Legal é a mesma – isto é, legalmente o horário de meio dia em Paranaguá é o mesmo em Foz do Iguaçu, que por sua vez é o mesmo de Brasília, Distrito Federal.
Antes do advento dos fusos horários, cada cidade tinha o seu horário local. Podemos ver nos monumentos, igrejas, castelos, etc., os relógios- de-sol. Os viajantes acertavam seus relógios em cada cidade que chegavam.  O Sistema Internacional de Fusos Horários tal como hoje conhecemos foi concebido pelo senador canadense Sanford Fleming, em 1878, quando teve algumas aplicações regionais no Canadá e nos Estados Unidos. Para sanar o caos mundial que exigia uma padronização na Hora, foi realizada uma Conferência Mundial no ano de 1884 em Washington D.C. reunindo 25 representantes dos países mais influentes, que aprovaram o Sistema de Fusos testado nos Estados Unidos e Canadá. Foi determinado o Meridiano de Greenwich como “Meridiano Inicial”, e o meridiano antípoda ou oposto (a 180o a Leste ou a Oeste de Greenwich) localizado no Oceano Pacífico foi denominado “Linha Internacional da Hora”. A partir daí uma série de setores de atividades, como navegações, marítima, aérea, espacial; observações astronômicas; manobras militares; as telecomunicações, etc., utilizam o horário GMT (Greenwich Mean Time) – Hora Média de Greenwich, ou, Tempo Coordenado Universal (UTC – Universal Coordinated Time).  
Continua PARTE II na edição da próxima Coluna Ciência em Foco: Como seria o tempo em outros mundos e no Hiperespaço?
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Referências
FRANÇA, V. de; GOWDAK, D.; MATTOS, N. S. de. Coleção Ciências: O Universo e o Homem. Livros Didáticos de Ciências de 5ª. a 8ª. Séries do 1º. Grau. São Paulo. Editora FTD. 1994.

OLIVEIRA, P. Di C. Astronomia e os índios Desâna. In: VARELA, I. G. & OLIVEIRA, P. D.C.F. de. Histórias da Astronomia. No.  03. 2003.


*Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais/UEM e Universidade Rennes 2, França.
CIÊNCIA EM FOCO é uma Coluna que tem por objetivo a Popularização e Divulgação Científica, no contexto da Educação Científica.

*defranca@uel.br; defranca_v@hotmail.com
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