Por João Paulo R. Capobianco Biólogo e ambientalista No Le Monde Diplomatique , Sao paulo,18 de maio de 2011
O Código do Atraso (Parte III)
Estímulo aos desmatamentos
É forçoso reconhecer que o substitutivo de Rebelo foi engenhosamente construído. Salvo dispositivos escandalosamente antiambientais, a maioria dos problemas está nos detalhes de um texto que possui 55 artigos e 37 páginas. Os principais são expostos a seguir:
1. Introdução do conceito de “Área rural consolidada”. Ao definir essa nova figura legal, o substitutivo simplesmente converte para essa categoria as ocupações irregulares feitas até 22 de julho de 2008 em fragrante desrespeito à legislação ambiental. Mais do que um jogo de palavras, introduz uma ideia que será posteriormente defendida à exaustão, de que o que está feito não deve ser revertido. Uma espécie de direito adquirido para quem desrespeitou a legislação ambiental.
2. Ampliação do conceito de pequena propriedade rural, sem critérios socialmente adequados, possibilitando o aumento significativo de proprietários rurais beneficiados pelo tratamento diferenciado e preferencial dado aos pequenos produtores rurais, mesmo sem o serem.
3. Modificação do parâmetro para o cálculo das áreas de preservação permanente (APP) nas margens dos rios, levando à redução das áreas que se encontram em situação irregular e que, portanto, teriam que ser recuperadas, além de permitir futuras autorizações de desmatamento onde hoje é proibido.
4. Redução de 30 para 15 metros a faixa de proteção (APP) das margens de rios de até cinco metros. Essa modificação, combinada com a anterior, vai reduzir drasticamente a proteção legal das matas ciliares, desobrigando a recuperação ou viabilizando novos desmatamentos.
5. Liberação da ocupação e desmatamentos da vegetação nativa situada em altitude superior a 1.800 metros, hoje protegida como APP.
6. Eliminação da proteção das áreas de várzeas, que deixam de ser consideradas como APP, sujeitando os corpos d’água a terem suas áreas de inundação natural totalmente degradadas e contaminadas por uso intenso de pesticidas e adubos.
7. Eliminação da obrigatoriedade de recuperar a Reserva Legal para propriedades de até quatro módulos fiscais, equivalentes a seiscentos hectares na Amazônia.
8. Desconto de área equivalente a quatro módulos fiscais no cálculo da Reserva Legal degradada a ser recuperada nas médias e grandes propriedades.
9. Computo da área de preservação permanente no cálculo da Reserva Legal para todo o país, independentemente das dimensões da propriedade, reduzindo o montante de área ilegalmente desmatada a ser recuperada.
10. Anistia “branca” de cinco anos para desmatadores irregulares. Esse é um dos pontos mais graves e sofisticados do substitutivo. Estabelece a obrigatoriedade da União e dos estados elaborarem, no prazo de até cinco anos, Programas de Regularização Ambiental fixando os parâmetros e as condições para a recuperação da vegetação nativa nas propriedades rurais irregulares.
Durante o período de elaboração do tal Programa, o proprietário nada precisa fazer e está autorizado a continuar utilizando economicamente a área que desmatou ilegalmente. Além disso, suas multas e seus processos por desmatamento de antes de 22 de julho de 2008 ficam suspensos.
Há muitos outros aspectos nocivos no substitutivo, como a transferência de competências do Conselho Nacional do Meio Ambiente para os governos federal, estaduais e municipais, que podem editar decretos e atos normativos sem nenhum controle social ou a possibilidade ambientalmente equivocada de permitir a compensação da Reserva Legal em qualquer bioma.
O único dispositivo que tem um aparente caráter ambiental no substitutivo de Aldo Rebelo é a proposta de moratória para novos desmatamentos por um período de cinco anos, a partir da promulgação da lei. Entretanto, cotejando essa previsão com o conjunto de modificações, que tornarão praticamente impossível controlar e punir os desmatamentos ilegais, fica evidente a sua iniquidade.
O grau de acirramento do debate, resultado da radicalização do substitutivo e do próprio posicionamento de Aldo Rebelo, vem conduzindo a um impasse raras vezes visto. No esforço para impedir a desconstituição da legislação ambiental, praticamente nada está sendo feito para a definição de instrumentos legais de compensação aos que preservaram, seja por meio de mecanismos de pagamento por serviços ambientais, seja pela criação de um mercado que remunere a floresta como ativo econômico.
O que está mobilizando a academia, os empresários esclarecidos e os ambientalistas é a defesa de uma agenda preservacionista do século passado e não a do futuro onde será imperativo desenvolver instrumentos para viabilizar a coexistência entre o aumento da conservação e o aumento da produção. Esse é o desafio que deveria estar consumindo as energias dos envolvidos na discussão do Código Florestal.
Sem sinais de avanço, as reuniões se multiplicam no Congresso e no Palácio do Planalto. Uma comissão de negociação foi montada pelo atual presidente da Câmara, para se buscar um acordo que permita colocar o substitutivo em votação sem que vire uma polêmica capaz de gerar fissuras na base do governo, com graves repercussões junto à opinião pública. Até agora nenhum resultado concreto nessa direção foi obtido e multiplicam-se informações desencontradas e contraditórias sobre supostos acordos entre as partes envolvidas.
Nada parece ser suficiente para convencer a bancada ruralista e seu novo líder de que a proposta tal como está é um retrocesso inaceitável, incapaz de levar tranquilidade ao campo e, muito menos, estabelecer a tão desejada segurança jurídica para o pleno desenvolvimento da atividade agropecuária no país.
As lideranças ruralistas com forte influência e trânsito nos arcos, cúpulas e abóbadas de Brasília parecem ter certeza da aprovação de um substitutivo que finalmente as desobrigará do cumprimento de exigências que estão previstas em lei desde o governo do presidente Getúlio Vargas, quando foi editada a primeira versão do Código Florestal, em 1934.
Foi naquela época, há mais de oitenta anos, que foi estabelecido que as florestas eram “interesse comum de todos os habitantes do país” e definida a obrigatoriedade de preservação de 25% da vegetação nativa das propriedades rurais e das florestas protetoras, destinadas a conservar os recursos hídricos e evitar a erosão, entre outras funções.
Como em 2000 parece que restará a presidente atuar junto às lideranças do Congresso para evitar o pior.
João Paulo R. Capobianco é biólogo e ambientalista, é membro do Conselho Diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, foi secretário nacional de Biodiversidade e Florestas e secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008.
Esta cada vez melhor! E quanto a fomentar dúvidas e aguçar o espirito crítico faz isso como poucos.
ResponderExcluirbjão.
Se cuida
;) Muito obrigado!
ResponderExcluir